São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009

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"UK rules ok"

Para Sinclair, Hackney está perdendo perfil alternativo

Escritor diz que obras olímpicas e edifícios modernos estão fazendo Londres se transformar "para pior"

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A LONDRES

Mobilizações de habitantes descontentes com o modo como estão sendo levantadas, em Londres, as estruturas da Olimpíada de 2012 têm sido recorrentes. Uma das principais vozes "do contra" é o renomado escritor britânico Iain Sinclair, 65. Autor de "London Orbital" e organizador de "London -City of the Disappearances", Sinclair tem a cidade de Londres como personagem em suas histórias de ficção e de não-ficção.
Ele acaba de lançar "Hackney - That Rose-Red Empire: A Confidential Report" (ed. Hamish Hamilton, importado), uma obra documental em que reuniu depoimentos, lendas e recordações sobre o bairro em que vive há mais de 40 anos.
E foi em sua casa em Albion Square, no coração de Hackney (leste de Londres), numa das simpáticas casinhas vitorianas com pequenos jardins, que Sinclair recebeu a Folha para uma entrevista exclusiva.
Ele se recuperava do susto que levou quando um evento de lançamento de seu livro foi cancelado pelas autoridades municipais de Londres. A razão? Sinclair havia escrito um artigo para a "London Review of Books" criticando as obras olímpicas. "Meu livro, que é fundamentalmente um registro sentimental sobre o bairro, foi tomado como um libelo anti-olimpíada", diz. "Estou revoltado e triste com a destruição de coisas tradicionais da região. Mas os jogos são apenas parte do processo em que Londres está transformando-se. Transformando-se para pior."
Enquanto caminha por ruas e parques locais, como o célebre London Fields, ele mostra os espaços públicos que serão ocupados por obras olímpicas, e prédios de condomínio que serão derrubados para a construção de edifícios modernos.
À beira do canal que cruza o bairro, novos flats e lofts descaracterizam o perfil mais alternativo, e até mesmo hippie, que o local sempre teve. Para o escritor, esses apartamentos não combinam com a vida que costumava emanar das esquinas agitadas e da energia que vinha dos pubs que estão sendo fechados, derrubados ou virando "gastro-pubs" modernos.
Sinclair mudou-se para Hackney nos anos 60. Trabalhava no comércio local, como vendedor de livros de segunda mão. E começava aos poucos a escrever suas primeiras obras. "Naquela época, Hackney tinha muitos mercados de rua e casas e prédios habitados por squaters. Depois vieram os imigrantes. Paquistaneses, indianos, africanos, turcos e vietnamitas. A mistura cultural fez com que se tornasse um local de muita criatividade."
Sinclair aponta os grafitis como a manifestação desse caráter alternativo do bairro, uma forma de resistência às mudanças. O famoso e misterioso grafiteiro Banksy deixou desenhos nos muros do bairro antes de se transformar em celebridade e ter suas obras transportadas para refinadas galerias de arte (www.banksy.co.uk).
"É uma cidade que está desaparecendo, enquanto outra nasce. Quando vejo esse processo, como tantas coisas estão se perdendo sem que nada significativo surja, sinto que quero desaparecer também. Não me agrada essa nova Londres."
Ainda assim, ele mantém a rotina de caminhar pelo bairro, observando seus habitantes e sua dinâmica. "Andar e escrever é o que me resta. E assistir o que vem por aí", conclui, com um sorriso melancólico.


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