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HOLANDA EM TELA
Terra de Rembrandt e Van Gogh tem cortina aberta entre pintura e vida cotidiana
Arte imita vida, e vice-versa, no país
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL À HOLANDA
Uma velha propaganda da companhia aérea KLM, da Holanda,
pavoneava o seguinte: "Muitas
pessoas só conseguem olhar grandes obras de arte. Os holandeses
podem viver em uma".
Tirado da frase todo o seu "nariz-empinismo", não é difícil entrar em acordo com ela.
Eu e você, leitor, provavelmente
nunca viveremos dentro dessa
"pintura", mas visitar o país de
Rembrandt, Van Gogh e companhia talvez seja mesmo a melhor
forma de vivenciar arte.
Fatia de terra menor que a Paraíba, a Holanda fez pela pintura
algo parecido ao que a Irlanda
operou nas letras. Se da pequenez
irlandesa saíram quatro Nobel de
literatura (Samuel Beckett, W.B.
Yeats, George Bernard Shaw e
Seamus Heaney -sem contar o
esquecido James Joyce), dos irrigados 41.526 km2 holandeses brotaram número não menor de pilares da arte ocidental.
Mas não é só até aí que vai o slogan da KLM. Ainda sobre a terra
onde nasceram dezenas de artistas ímpares -a lista começa no
século 15, com Hieronymus
Bosch, e segue pelo menos até
1944, quando morre Piet Mondrian-, a Holanda é, para começar, o melhor lugar do mundo para ver arte holandesa. Afinal o assunto aqui é turismo.
A terra da rainha Beatrix, que
acaba de fazer uma de suas raras
visitas internacionais justamente
ao Brasil, tem museus a torto e a
direito, alguns dos melhores de
que se tem notícia.
Apenas em Amsterdã, ou melhor, em um pequeno bairro da
capital, o viajante tem pela frente
o gigante Rijksmuseum -e sua
imbatível coleção de Rembrandt-, o moderno Stedelijk
-e seus Mondrians- e o museu
Van Gogh, que assoprou ontem
as velas dos 150 anos de nascimento de seu homenageado (veja
mapa nesta pág.).
Não longe dali, a cidade da rainha, ela mesma artista amadora,
continua com pompa a sensacional pinacoteca holandesa. Em
Haia, que acaba de abrir um peculiar museu para o peculiar Escher
(1898-1972), fica, por exemplo, o
"quadro mais bonito do mundo"
(explica-se, à pág. F6) e outra
amostra inesquecível da arte de
Johannes Vermeer (1632-75).
"Garota do Brinco de Pérola",
na parede do museu Mauritshuis,
ajuda a entender o crítico e pintor
local Jan Veth, quando disse que a
superfície das pinturas de Vermeer parece ser feita de "pérolas
maceradas e fundidas em conjunto", tamanha a delicadeza e o domínio da luz do artista.
Mas é com outra obra desse
mestre da cidade de Delft que é
possível seguir adiante nas idéias
do anúncio da empresa aérea holandesa. Se a arte imita a vida, desconte-se o clichê, a vida também
imita a arte nos Países Baixos.
Quem caminha por qualquer
um dos 165 canais de Amsterdã,
canais só menos famosos do que
os venezianos, pode topar com
cenas dignas de "A Leiteira", de
Vermeer. Obra-prima do acervo
do Rijksmuseum, o quadro que
mostra uma mulher derramando
leite em um pote é exemplar de
um estilo artístico bem holandês.
A chamada pintura de gênero,
que começa no século 17, é basicamente a que retrata temas domésticos -até então, cenas bíblicas
dominavam a arte mundial. E em
poucos lugares do globo se pode
espiar das ruas tanto dos aconchegos do lar quanto na Holanda.
Indagado pela Folha, o curador
do museu Mauritshuis, Quentin
Buvelot, deu uma parte da explicação: "Existe uma palavra holandesa sem muita tradução,
"gezellig", que seria algo como
"aconchego" e "conforto". Graças
ao frio e ao clima úmido, temos de
passar boa parte da nossa vida em
casa, motivo pelo qual queremos
que ela seja bem acolhedora".
Até aí, tudo bem, mas por que
elas ficam tão à vista dos olhares
dos passantes?
O livro "The UnDutchables", de
Colin White & Laurie Boucke,
tem uma boa teoria. Depois de
afirmarem que nada em uma casa
importa mais ao holandês do que
as janelas, e que todas elas ficam
com as cortinas abertas, os autores, americanos, afirmam: "Pode-se atribuir isso a uma antiga tradição calvinista. Com as cortinas
abertas, se mostrava que nada de
pecaminoso acontecia lá dentro".
Este caderno de Turismo não
pretende levar o leitor ao interior
dos lares holandeses nem verificar quão pecaminosos eles são.
Mas, nas próximas páginas, abrimos cortinas para que se espiem
aspectos da vívida arte local.
Os 16 milhões de moradores da
Holanda podem ser os únicos a
viverem dentro dela, mas só
quem vem de fora pode ter o gosto de vê-la como na primeira vez.
Cassiano Elek Machado viajou a convite do Consulado Geral dos Países Baixos
em São Paulo.
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