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TV NO MUNDO
Pernalonga fica politicamente correto
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
O Pernalonga dos dias de
hoje defende sua floresta
da ação predatória de um
especulador imobiliário. O
empresário ganancioso
não hesita em destruir a
mata na qual vivem os heróis do desenho para construir um parque temático.
Na história de agora Pernalonga faz as mesmas traquinagens que há décadas
usava para enganar seus rivais. Mas, no fim do século
20, o conteúdo ideológico
do desenho é outro. O coelho esperto recorre a disfarces e intrincados truques para, ao final, condenar Eufrazino e Taz a reflorestar o campo devastado.
Houve um tempo em que
os gibis do Pato Donald foram acusados de representar o imperialismo norte-americano. O imperialismo dos dias de hoje é o
politicamente correto.
Muda o conteúdo ideológico das histórias. Mas as
convenções formais da
narrativa são as mesmas:
perseguições, explosões e
personagens que invariavelmente se recuperam.
É contra essas convenções básicas do desenho
animado que aparece o relatório da ONU comentado em reportagem publicada na ilustrada da última quarta-feira. A análise
da entidade denuncia a alta incidência de cenas de
violência nos desenhos
exibidos por seis redes de
TV aberta durante o último mês de agosto.
A pesquisa é interessante
mais porque pode provocar alguma polêmica em
uma seara pouco acostumada a questionamentos
do que por seu conteúdo
específico. Como os cartoons exibidos pela TV
brasileira são importados,
é de se supor que o material analisado aqui já tenha
sido motivo de outros estudos semelhantes.
A pesquisa levanta a velha lebre sobre a responsabilidade da TV na geração
da violência. Ou, colocado
de outra forma, sobre a autonomia do reino da imaginação, ou das ideologias
em inspirar práticas e
ações no cotidiano.
Dentre os gêneros televisivos, o desenho animado
é provavelmente o que
mais se distancia da "vida
como ela é". Os personagens dos filmes mais antigos resistem ao tempo
porque apelam para o humor pastelão, seu figurino
não é datado e suas histórias podem ser atualizadas.
Em um meio de comunicação que se esmera pela
busca de representações
hiper-reais, com uma queda por casos pessoais e
sensacionalistas, a violência dos "reality-shows" e
dos telejornais parece mais
poderosa e perniciosa.
É como se as imagens,
veiculadas tivessem o poder quase mágico de produzir a sociedade que supostamente representam.
Retiradas de um contexto, editadas e narradas,
imagens e histórias como
que ganham autonomia.
Espectadores, pesquisadores, analistas e crianças se
sentem agredidos pelas
imagens que lhes chegam
através da telinha brilhante. Questionam sua adequação. Mudam de canal.
Preferem o futebol e os esportes. Mas qual será a efetividade da politização do
discurso do Pernalonga?
E-mail: ehamb@uol.com.br
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