São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998

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TV NO MUNDO

Pernalonga fica politicamente correto

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

O Pernalonga dos dias de hoje defende sua floresta da ação predatória de um especulador imobiliário. O empresário ganancioso não hesita em destruir a mata na qual vivem os heróis do desenho para construir um parque temático.
Na história de agora Pernalonga faz as mesmas traquinagens que há décadas usava para enganar seus rivais. Mas, no fim do século 20, o conteúdo ideológico do desenho é outro. O coelho esperto recorre a disfarces e intrincados truques para, ao final, condenar Eufrazino e Taz a reflorestar o campo devastado.
Houve um tempo em que os gibis do Pato Donald foram acusados de representar o imperialismo norte-americano. O imperialismo dos dias de hoje é o politicamente correto.
Muda o conteúdo ideológico das histórias. Mas as convenções formais da narrativa são as mesmas: perseguições, explosões e personagens que invariavelmente se recuperam.
É contra essas convenções básicas do desenho animado que aparece o relatório da ONU comentado em reportagem publicada na ilustrada da última quarta-feira. A análise da entidade denuncia a alta incidência de cenas de violência nos desenhos exibidos por seis redes de TV aberta durante o último mês de agosto.
A pesquisa é interessante mais porque pode provocar alguma polêmica em uma seara pouco acostumada a questionamentos do que por seu conteúdo específico. Como os cartoons exibidos pela TV brasileira são importados, é de se supor que o material analisado aqui já tenha sido motivo de outros estudos semelhantes.
A pesquisa levanta a velha lebre sobre a responsabilidade da TV na geração da violência. Ou, colocado de outra forma, sobre a autonomia do reino da imaginação, ou das ideologias em inspirar práticas e ações no cotidiano.
Dentre os gêneros televisivos, o desenho animado é provavelmente o que mais se distancia da "vida como ela é". Os personagens dos filmes mais antigos resistem ao tempo porque apelam para o humor pastelão, seu figurino não é datado e suas histórias podem ser atualizadas.
Em um meio de comunicação que se esmera pela busca de representações hiper-reais, com uma queda por casos pessoais e sensacionalistas, a violência dos "reality-shows" e dos telejornais parece mais poderosa e perniciosa.
É como se as imagens, veiculadas tivessem o poder quase mágico de produzir a sociedade que supostamente representam.
Retiradas de um contexto, editadas e narradas, imagens e histórias como que ganham autonomia. Espectadores, pesquisadores, analistas e crianças se sentem agredidos pelas imagens que lhes chegam através da telinha brilhante. Questionam sua adequação. Mudam de canal. Preferem o futebol e os esportes. Mas qual será a efetividade da politização do discurso do Pernalonga?

E-mail: ehamb@uol.com.br



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