São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997.

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CRÍTICA
O caso Edileusa e outras baixarias

FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha

A demissão da atriz Cláudia Jimenez do programa ``Sai de Baixo'', da Globo, foi um dos assuntos da semana. Muita gente protestou. ``Mas, como, logo a Edileusa, tão simpática? Que injustiça!''. É bem provável que muito da revolta popular (a voz rouca das ruas, como disse FHC) se deva ao fato de a vítima ser logo a empregada.
Um ato brutal do patrão contra aquela que lhe servia com tanto esmero, devem ter pensado muitos. É como se o próprio Roberto Marinho tivesse mandado para a rua a sua quituteira particular.
O ``Jornal do Brasil'' captou logo a confusão entre realidade e ficção. Na sua edição de domingo passado, publicou uma longa entrevista com a desempregada no primeiro caderno, espaço dedicado a assuntos políticos -e tudo isso em plena época de reeleição. A chamada da capa dizia tudo: ``O desabafo de Edileusa''. Dentro, o título da entrevista reforçava que era a empregada quem estava com a palavra: ``É mais fácil se livrar de mim''.
Curiosa a maneira com que o ``JB'' instrumentalizou o conflito de classes para cutucar o concorrente. As Organizações Globo seriam o mau patrão e o ``JB'' o advogado da doméstica injustiçada. Conhecendo-se a trajetória da Rede Globo e todo o seu histórico de promiscuidade com o poder, a armadilha do ``JB'' até que faz sentido. A emissora paga nesse episódio isolado pelo fato de nunca ter tido qualquer compromisso com ``os de baixo''.
Isso posto, é preciso limpar o terreno. Visto como um incidente do mundo do trabalho, o caso Edileusa não difere em nada das baixarias diárias que se vê em qualquer escritório ou repartição pública. O enredo é universal: intrigas, picuinhas, recadinhos velados, inveja mútua, acusações de lado a lado e, finalmente, demissão do elo mais frágil.
Até aqui estamos diante de um caso qualquer em que o gerente do banco ``frita'' o caixa que o aporrinhava, com todos os ingredientes de arbitrariedade que esses casos trazem embutidos. O mais interessante, contudo, é que a baixaria dos bastidores da Globo trouxe à tona a baixaria do programa, que, como se sabe, desde a primeira hora foi acolhido por todos com euforia histérica.
Se há algo positivo nessa cafajestada de firma, é o fato de ter escancarado a cafajestada do que vai ao ar.
Cláudia Jimenez reclama, com razão, que não suportava mais ser chamada de ``supositório de baleia'' e coisas do gênero. Eram, segundo ela, apelidos inventados pelo redator-chefe do programa, Claudio Paiva, por quem ela revelou ter um justo desprezo. Mas alguém reclamava desse tipo de humor de botequim? O público não aprovou desde o início essa forma abjeta de provocar risadas?
A verdade é que ``Sai de Baixo'' é um dos programas mais lamentáveis dos últimos tempos. O talento reconhecido do elenco foi posto a serviço de um texto pífio, que ora parece uma peça escrita por um jovem aluno de teatro amador, ora se assemelha mais a uma conversa de executivos na sauna durante o ``happy hour''. É de doer.
É bom não esquecer que o programa faz parte da estratégia global para frear o crescimento de Silvio Santos aos domingos. É uma história conhecida: cada vez que uma emissora baixa o nível, a outra dobra a aposta. Como dizem que a estupidez humana é infinita, esperemos pelos próximos capítulos dessa novela ladeira abaixo.
Ainda vai chegar o dia em que o próprio Boni terá de entrar no palco com um chumaço de notas na mão para atirá-las na cara do auditório perguntando, como faz o Abravanel, ``quem quer dinheiro!?!''. Aguardem.

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