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Esperança convicta
Patrizia Giancotti/TV Globo
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Luiz Fernando Carvalho dirige Walmor Chagas em cena gravada na Itália |
Patrizia Giancotti/TV Globo
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Carvalho com figurantes italianos ao fundo |
MARCELO MIGLIACCIO
EDITOR DO TV FOLHA
A CLAMADO como um dos diretores mais talentosos da teledramaturgia brasileira -e do cinema, com seu
"Lavoura Arcaica" (2001)-, Luiz Fernando Carvalho, 42, vive agora a experiência da tumultuada troca de autor em
"Esperança", cujos índices de audiência
nunca chegaram ao patamar projetado
pela Rede Globo -nem mesmo após a
substituição de Benedito Ruy Barbosa
por Walcyr Carrasco. Entretanto, em sua
primeira entrevista depois da crise na
novela, Carvalho diz à Folha, por e-mail,
que não abandona suas convicções.
Com "Esperança" no final, que balanço
você faz da novela? O que ela lhe trouxe
em experiência televisiva?
Nada foi tão forte quanto a confirmação de que é preciso, na televisão de hoje,
trabalhar na direção contrária à dos clichês. O clichê aponta para uma falta de
confiança no homem, já que ele pressupõe que é impossível impor-lhe opiniões. Ao contrário, é preciso que as televisões gerem mais conteúdo e mais conhecimento. É preciso ensinar as pessoas
a pensar, e não o quê elas devem pensar.
Isso é algo muito diferente do que se faz
habitualmente.
Adquirir mais conhecimento é um empreendimento tão belo quanto desenvolver o mundo da imaginação. "Esperança" foi um trabalho que nos desafiou em
vários sentidos. Sempre fui bastante crítico quanto à escolha do tema para a novela, já que a imigração italiana me soava
saturada. Por outro lado, o tema das correntes migratórias sempre chamou minha atenção. Então, talvez o maior desafio -e o maior estímulo- tenha sido
procurar uma motivação para que aquilo tudo que me soava como clichê voltasse a simplesmente existir.
Durante a troca de autor, você manteve
a discrição. Gostaria de ouvir algumas reflexões de quem está no olho do furacão.
Todos sabemos o quanto é desgastante
o trabalho de um autor de novelas, mas
sabemos também o quanto estar preparado é tudo. Tenho o maior respeito e admiração pela obra do Benedito Ruy Barbosa, mas eu, que já dirigi cinco outras
novelas suas de sucesso, pude sentir, desde o início, que ele não estava pronto.
Esse é um ponto importante, que determina e reflete uma carência real por
novos autores, capazes de reoxigenar a
dramaturgia e, ao mesmo tempo, liberar
fôlego aos autores consagrados.
Como você, um diretor bastante autoral, encarou as mudanças na trama?
Como um exercício. Me preparei para
receber a entrada do Walcyr como quando um ator de teatro substitui seu colega
em uma nova temporada. Foi isso o que
aconteceu, estreamos uma nova novela
em meio à outra. Reuni o elenco e a equipe, e procuramos nos colocar o mais generosamente possível.
No primeiro mês após a troca de autor,
"Esperança" apresenta, na Grande SP,
uma audiência dois pontos mais baixa
que a média do último mês com Benedito.
Parte do público teria deixado de assistir
descontente com mudanças na história?
O decréscimo de dois pontos não foi
representativo o suficiente para ser entendido como uma rejeição. Não quero
transformar essa questão numa rinha de
galos, mas, sem dúvida, o público reencontra agora um vínculo perdido com a
novela: picos de 48%, média de 43% e
"share" de 61%. São números que refletem a capacidade de se reconstruir da
própria novela. Seria ingenuidade dizer
que estamos a reboque de uma mudança
de programação. A mudança se verificou
e continuará se verificando no corpo da
narrativa. O mérito, se é que podemos
chamar assim, é unicamente da resistência e da busca por melhores resultados
deste grupo de profissionais.
Como é a sua relação com o Walcyr Carrasco? Você opinou sobre as mudanças?
Tudo a que assistimos agora é fruto de
uma convergência de idéias entre nós.
Apesar de nos conhecermos apenas através desse trabalho, nossa comunicação
foi excelente. É um autor estimulante e
de traço pessoal muito forte. Tivemos várias reuniões, mas seu conhecimento da
novela já vinha de muito antes: há meses
o Mário Lúcio Vaz já havia pedido para
que ele acompanhasse os capítulos.
Como fica a motivação da equipe depois
de uma troca de autor? São profissionais,
mas também seres humanos que sentem
as pressões e as críticas...
Formamos um grupo maravilhoso. E
não podemos negar que a substituição
dos autores permitiu desenvolvimentos
para algumas tramas. Há que se respeitar
uma certa liberdade para quem chega,
senão a criação deixa de existir e então
tudo perde o sentido. Mas, em toda novela de mais de 200 capítulos, a roda da
história gira até mesmo sem substituição
alguma. Portanto, o esforço de todos nós
-incluo aí o próprio Walcyr- foi o de
compreender esse movimento, cuidando para que a qualidade não sofresse em
demasia. E nesse esforço, a participação
do elenco foi fundamental. Não teríamos
conseguido reestruturar a história, aumentar a produtividade e -além de tudo isso- recuperar nossos melhores índices. Não seria exagero afirmar que, naqueles dias difíceis, os atores se transformaram em verdadeiros co-autores.
Ainda mantém contato com o Benedito?
Confesso que foi muito delicado continuar mantendo um contato diário com o
Benedito. A cada telefonema, sentia sua
dor encarnada no tom da voz. Aquilo me
desequilibrava, e eu precisava me concentrar nos novos capítulos que chegavam. Na última vez em que nos falamos,
ainda me lembro, pedi que ele procurasse se desligar da novela emocionalmente,
procurasse cuidar da saúde e fosse descansar, que, em breve, ele estaria pronto
para mais um de seus bons trabalhos.
Outros telefonemas vieram, mas tentei
evitá-los ao máximo. Sei que nossa cumplicidade é, e sempre será, muito forte,
eu o considero muito e sei que ele a mim.
Tudo o que quero é que ele de maneira
alguma sinta que estou decepcionado
com ele e vice-versa. Jamais o consideraria um derrotado. Muito ao contrário,
trata-se de um guerreiro que lutou até o
limite de suas forças.
A TV, talvez a mais imediatista indústria
do entretenimento, surpreendeu você?
Neste mundo de hoje, da globalização,
da corrida febril atrás das descobertas, o
homem foi esquecido e, com ele, todas as
suas experiências espirituais, morais e
sociais. Em primeiro lugar, temos que
perguntar que tipo de homem é necessário ao mundo moderno. Em segundo,
que tipo de televisão será necessária a este homem. Uma televisão que necessitará de consumidores em massa ou de indivíduos conscientes? Qual o destino reservado à televisão e aos homens? Que a
televisão seja apenas diversão, me parece
bastante contestável. Precisamos de diversão, mas também precisamos nos
orientar e entender o mundo.
No horário nobre da TV aberta ainda há
espaço para a qualidade, a narrativa trabalhada, as nuances de iluminação e de
interpretação? Existe uma corrente que
acha que isso não é mais viável pela competição acirrada entre os canais e a característica da massa telespectadora...
Dante já dizia: "O que um homem ignora, o outro sabe. O que não é conhecido em um país o é em outro. Todo o conhecimento de que um homem é capaz
seria simultaneamente conhecido por
todos, se todos fôssemos livres". Claro,
tudo isso é mais fácil de ser dito do que
vivido. De minha parte, continuo lutando por uma televisão que possa unir, a
um só golpe, o popular e a experiência
artística. Por outro lado, se você constantemente navegar contra a corrente você
se torna imediatamente um elemento
perturbador. Mas, nesta altura, você só
tem um problema: para quem deve trabalhar, para si ou para a humanidade? É
um problema que pode nos afetar ou
não. Se ele nos afeta, e mesmo se o preço
for muito alto, sempre o resolveremos da
única maneira possível.
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