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Pequenas empresas, grandes negócios
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Na terça-feira, 28, dia
em que Sasha veio a este
mundo estranho, ou véspera da maior privatização de um país não menos esquisito, o "Jornal
Nacional", essa coisa cada vez mais esquisita e
estranha, dedicou pesos
bem diferentes aos dois
"acontecimentos".
Com o nascimento da
filha de Maria da Graça
Xuxa Meneghel e Luciano Szafir, o "JN" gastou
oito minutos e meio
-um primeiro minuto
de chamada, como se diz
em jargão jornalístico, e
mais sete minutos e meio
no final, quando o sentimentalismo boçal viveu
sua apoteose na tela.
A venda da Telebrás
-incluídos os protestos
do MST, a depredação do
BNDES e a explicação didática de como a empresa seria fatiada aos comensais que disputariam
seus filés no dia seguinte- recebeu do mesmo
"JN" três minutos e 20
segundos de atenção.
Diferença aproximada
de cinco minutos entre a
duração de uma reportagem e outra -e cinco
minutos em telejornalismo, como se sabe, são
como eras geológicas.
Esse descompasso em
prol da frivolidade e do
showbiz em detrimento
de assuntos de relevância
pública é uma tendência
não muito recente. Tem
sido muito presente no
"JN", mas é perceptível
por toda parte. Isso, porém, não explica tudo.
O nascimento de Sasha
foi o "gran finale" de
uma história que começou bem antes. Precisamos recapitulá-la em
pinceladas ligeiras. Num
dos momentos críticos
da fastidiosa guerra de
audiência entre Gugu Liberato e Faustão, Xuxa
decidiu anunciar sua gravidez no "Domingão"
da Globo.
Lançado em programa
de auditório como um
carnê do Papatudo, o futuro bebê começou a ser
empresariado pela mãe
nove meses antes de nascer. Armava-se então o
primeiro capítulo da novela de uma família que
nunca foi.
De pé no palco, trajando um modelito branco
com uma fenda no ventre
(atenção pudibundos de
plantão: pornografia é isso, não o que vocês vêem
em "Torre de Babel"),
Xuxa repetiu frases feitas
sobre sua existência solitária. Trazia a tiracolo o
seu garanhão, que, depois de ter cumprido
suas funções como reprodutor, ainda teria de
relinchar algumas palavras de amor diante de
todo o Brasil antes de ser
devolvido à cocheira da
irrelevância a patadas.
O trabalho pesado, como sempre, ficou a cargo
de Marlene Mattos, o
Sérgio Motta de Xuxa,
que foi lançando suas
perfídias contra a família
Szafir ao longo da gravidez da sua rainha.
Toda essa história desumana e, ao que parece,
minuciosamente arquitetada, o que só faz agravar a sua atrocidade, veio
coroar um comportamento determinado e
obsessivo que fez de Xuxa o que ela é.
Sempre submetendo o
que existe de mais íntimo, bonito e espontâneo
(das crianças à sua gravidez) à lógica negocista da
sua ascensão social, Xuxa
começou como pin-up,
frequentou a seguir a intimidade de celebridades
e então deu o salto rumo
ao paraíso, inaugurando,
construindo, organizando e, durante muito tempo, monopolizando um
modelo consumista e
pervertido de entretenimento infantil pela TV.
Nunca, antes dela, alguém havia esparramado
a sua imagem por tantas
porcarias descartáveis,
reais ou simbólicas, como Xuxa fez a partir da
TV. Legiões de consumidores-mirins foram descobertas e aliciadas,
transformando a infância num dos maiores filões da TV e da propaganda brasileiras.
Seu modelo foi copiado
pelas rivais e multiplicou-se por toldos os canais, até se transformar
em padrão hegemônico
da telediversão infantil.
Os efeitos estupidificantes de Xuxa sobre gerações inteiras são visíveis. Não apenas na reação dos milhões de fãs
(esses coitados engendrados pela sociedade de
massas que se projetam
em seus ídolos para de alguma forma driblar o horizonte limitado de suas
vidas ou as limitações da
vida ela mesma), mas
também nas cenas constrangedoras que o "JN"
exibiu na última terça-feira.
Jornalistas abobalhados apagaram da tela a
crueldade embutida na
história dessa gravidez e
preferiram mostrar ao
país o conto de fadas de
uma princesinha que, já
ao nascer, tem dois quartos, um deles com 80 metros quadrados.
A loucura humana não
tem limites. Ainda no início do mês, nascia em
São Paulo uma amiguinha de Sasha, Kadja. Alguém está lembrado? Sua
mãe, Alessandra Pereira,
pariu-a também no início de uma madrugada,
mas na calçada, em frente a um hospital que havia recusado lhe internar.
O Brasil é mesmo um
país muito engraçado.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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