São Paulo, domingo, 2 de agosto de 1998

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MAPAS URBANOS
Série revela metrópoles "pessoais'


Poetas de São Paulo, Salvador e Rio falam de suas cidades em documentário do canal GNT



EDILAMAR GALVÂO
especial para a Folha

"As cidades da América saem da barbárie para a decadência, sem passar pela civilização". Essa frase, de Lévi Strauss, é citada pelo cantor e compositor Tom Zé, no filme-documentário "Mapas Urbanos", estréia do diretor Daniel Augusto, 25.
O filme vai ser apresentado como uma série no canal pago GNT (Net/Multicanal) e vai ao ar a partir do dia 10 de agosto. São nove episódios, cada um com cerca de 30 minutos. Três foram gravados em São Paulo, três no Rio de Janeiro e três em Salvador.
A proposta de "Mapas Urbanos" é lançar um outro olhar sobre a cidade que não exatamente o da constituição histórica. A história, no caso, faz parte do olhar sobre a cidade. E o diretor Daniel Augusto foi buscar esse olhar na poesia e na composição que não deixa de ser outra forma de poesia.
Segundo Daniel, a idéia partiu mesmo da leitura dos ensaios do filósofo Walter Benjamin sobre a Paris do século 19 e a poesia do Baudelaire. "É que eu achei curioso isso do Benjamin, como se a poesia fosse uma representação privilegiada da cidade", diz Daniel.
E é desse modo que temos uma série de colagens e justaposições desses diferentes olhares "privilegiados" sobre a cidade. Como a montagem não é linear, o filme não é uma tentativa de contar, mas de ouvir. Poemas e músicas perpassam as quatro horas e meia de filme e interagem com as falas dos entrevistados.
Todos esses fragmentos vão sendo atados uns aos outros numa edição onde uma música lembrada por um poeta pode ser um momento de passagem para outra fala de outro poeta ou compositor que em outro lugar tenha se lembrado da mesma música.
Do mesmo modo, "diálogos" foram montados entre pessoas que, de fato, não estavam conversando entre si. Pelo filme elas acabam "debatendo" um determinado assunto, pela edição sensível e, às vezes, engraçada que justapõe essas falas.
É o que acontece, por exemplo, com os poetas Duda Machado e Antonio Risério, que debatem sobre o turismo e os estereótipos de Salvador.
São Paulo é quase sempre vista e tratada da perspectiva do apagamento da cidade. Ou seja, uma metrópole que carrega os problemas de um crescimento desordenado e que, como diz o compositor Luiz Tatit, vai criando uma cidade por cima da outra.
Na parte do Rio de Janeiro, o filme se deixa conduzir em boa parte pelo compositor Ivo Meirelles, que passeia pelo morro da Mangueira, encontrando desde seus personagens míticos até os "anônimos" do morro.
Com essa proposta, "Mapas Urbanos" consegue deixar muitos momentos memoráveis. É nessa diluição das grandes cidades que surge a história individual, aquela que geralmente não entra para os livros de história.
É o caso de Monarca, compositor, sambista e membro da velha guarda da Portela que dá entrevista na "Casa da Mãe Joana" e traz toda uma história do samba e do morro no Rio de Janeiro.
É, também, a oportunidade de ouvir Paulo Vanzolini, autor da música "Ronda" dizer: "Eu não tenho nenhuma música que possa ser destacada como música. Tenho pela parte emotiva. "Ronda' é uma música emotiva - aliás é de um pieguismo desgraçado". E essa fala segue uma série de outras falas, como a de Caetano Veloso, que elege Ronda como uma música que faz parte da cidade, no caso, São Paulo.
São três cidades e muitos modos de olhar "a" cidade que se olha e não se vê. Como diz o poeta Régis Bonvicino em um de seus poemas colocados no filme "Não há saídas/ só ruas viadutos avenidas".



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