São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2001

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COMO HÁ 50 ANOS

Em busca de audiência, canais abertos investem em fórmulas de sucesso garantido, e a programação preserva formatos ancestrais

O tempo passa, mas a TV continua a mesma

Folha Imagem
LEI DE LAVOSIER VIRA UMA MÁXIMA TELEVISIVA O dito em questão é: "Na TV, nada se cria, tudo se copia"; paródia da lei de Lavoisier ("Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma"). A frase foi criada pelo apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha, que estreou seu programa "Discoteca do Chacrinha", na TV Tupi, em 1957


Novelas, programas de auditório e telejornais são exemplos de formatos existentes desde os anos 50 e que se mantêm entre os mais vistos

RODRIGO DIONISIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A PRINCIPAL vítima na guerra da audiência entre as emissoras é a inovação. Na briga pelo ibope nos canais abertos, acirrada pela migração de telespectadores para a TV paga, as apostas ficam com formatos consagrados, que tomam espaço da experimentação.
Um giro pelos canais ou uma olhada na lista dos programas mais vistos, segundo o Ibope, mostra que boa parte das atrações exibidas seguem fórmulas quase tão antigas quanto a própria televisão (confira quadro no alto da página).
"Não que esses formatos sejam ruins, você pode fazer algo bom com uma fórmula antiga. Orson Welles fez trabalhos no formato de fotonovela. Mas a televisão não pode se esgotar no que está aí", afirma a crítica de TV, antropóloga e professora na Escola de Comunicações e Artes da USP Esther Hamburger.
Para ela, as grandes emissoras preferem investir em fórmulas fáceis e já testadas, com as quais é mais garantido "acertar no sentido financeiro". "E tudo fica muito parecido, porque um canal copia o outro. Eles se voltaram para a audiência e não para o público", diz.
Esther vê como contra-exemplo da atual situação televisiva algumas experiências realizadas na década de 80, como a série "Armação Ilimitada", da TV Globo, e os programas "Crig Rá", "23ª Hora" e "Olho Mágico", da produtora Olhar Eletrônico, de Marcelo Tas.
A antropóloga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e coordenadora, junto com Gabriel Priolli, da pesquisa "Deusa Ferida - Por Que a Rede Globo não É mais a Campeã Absoluta de Audiência?", Silvia Simões Borelli, explica que, historicamente, a TV brasileira é sustentada por um tripé: teledramaturgia, telejornalismo e variedades.
"São fórmulas de sucesso e, tratando-se de indústria cultural, não há interesse em correr riscos. Isso é mais claro em emissoras que não consolidaram audiência alta, sem espaço para arriscar. A Globo ainda tem espaço para testar alguma coisa, as outras, não", afirma.
Segundo Sérgio Mattos, diretor da Universidade Baiana de Ensino, Pesquisa e Extensão e autor do livro "A Televisão no Brasil: 50 Anos de História", o que ocorre na TV brasileira é semelhante ao que se tornou padrão nos EUA.
"A programação norte-americana deve estar quase 80% tomada por "game shows", "talk shows" e séries, formatos que sempre fizeram sucesso por lá. E nós estamos caminhando para isso", afirma.
Esther também cita a produção televisiva norte-americana, que classifica como "morna", e lamenta ser esse um parâmetro possível para o futuro da programação nacional. "A TV brasileira só se tornou o que é por sua capacidade de inovar, de causar revolução. Sem isso, ela perde boa parte do seu sentido", diz.

Segmentação
Outro caminho provável, segundo Mattos, é uma aproximação cada vez maior das emissoras abertas do formato já seguido pelos canais de TV pagos.
"Com a convergência de mídias, a assimilação da internet pela televisão, poderemos ver o surgimento de canais abertos segmentados. Isso representaria uma busca do público que, cada vez mais, vai migrar para mídias que oferecem alternativas individualizadas", afirma.
Para Sérgio Mattos, a derrocada da inventividade nas emissoras está diretamente ligada ao período do Plano Real. "Entre 94 e 98, cerca de 6 milhões de famílias que nunca haviam tido aparelho de televisão em casa passaram a ter. São cerca de 24 milhões de novos telespectadores, concentrados principalmente nas classes de menor renda."
A partir daí, segundo Mattos, há o reforço de interesse dos canais em investir em formatos como os dos programas de auditório, capazes de abranger os mais variados temas e se comunicar de maneira direta com as classe C e D.
Silvia Borelli também aponta essa época como a do ressurgimento da importância dos programas de auditório e lembra que, a partir desse período, cresceu a divisão da audiência entre os canais.
Segundo Esther Hamburger, tem ocorrido uma "popularização perversa da TV aberta". Para ela, o conceito do que é "popular" deveria ser repensado.
"É comum ouvir as pessoas dizerem não aguentar mais a programação do domingo, não suportar a briga entre Faustão e Gugu. Elas acabam vendo por falta de outras opções melhores", afirma.
Esther ainda diz que a necessidade popular está caracterizada pela demanda por formação e informação do telespectador brasileiro. "Os programadores precisam pensar em atrações com qualidade e em quantidade. As que têm essa característica, em geral, vão bem."


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