São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

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MICROSSÉRIE

Globo exibe sua 'Compadecida'


Guel Arraes dirige versão da obra de Ariano Suassuna com Matheus Nachtergaele e Selton Mello


ANNA LEE
da Sucursal do Rio

"O Auto da Compadecida" -a série em quatro capítulos que estréia na Globo, terça-feira, às 22h40- "será um elogio ao homem do Nordeste".
A afirmação é de Matheus Nachtergaele, que protagonizará com Selton Mello a versão de Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão para a peça homônima do dramaturgo paraibano Ariano Suassuna.
"Toda a obra de Suassuna é voltada para a valorização da cultura nordestina. A sua análise da realidade do Nordeste é baseada nas riquezas da região", disse Nachtergaele.
Ele interpreta João Grilo, um nordestino astuto, que luta por sua sobrevivência e, ao lado de Chicó (Selton Mello), seu companheiro, vive situações nas quais engana várias pessoas.
"Apesar de ser um trapaceiro, em nenhum momento João Grilo denigre a imagem do homem nordestino. Ele mostra o comportamento de uma pessoa que vive em total miséria e pobreza, mas mantém seu espírito livre", disse Nachtergaele.
"João Grilo é intrinsecamente insubordinado, desafia os que estão no poder. É extremamente brasileiro na medida em que somos um povo formado de sobreviventes. Principalmente os corajosos nordestinos, que brigam para estar vivos."
Fernanda Montenegro, que viverá a Compadecida, pela primeira vez interpreta um texto de Suassuna. Ela define a obra como "um referencial de nossa melhor dramaturgia".
"Ele é um homem que luta pelo que tem de mais puro na cultura dita popular da região Nordeste", disse a atriz.
"O Auto da Compadecida" -que se passa em Taperoá, no sertão da Paraíba, perto de Cabeceiras, onde realmente a série foi filmada- começa com João Grilo e Chicó carregando cartazes do filme "A Paixão de Cristo".
Sempre em luta pela sobrevivência, quando o dinheiro deles acaba, saem em busca de um novo emprego. Seguem então para a padaria, onde têm que lidar com a sovinice do padeiro, Ernesto (Diogo Vilela), as traições de sua mulher, Dora (Denise Fraga), e se aproveitam dos dois para conseguir mais algum dinheiro.
Quando morre a cadela de Dora, João Grilo tenta consolá-la prometendo um enterro abençoado para o animal. Para realizar a cerimônia, engana o padre João (Rogério Cardoso) e o bispo (Lima Duarte).
Assim João Grilo, sempre colocando Chicó em suas confusões, engana todo mundo, até a chegada do cangaceiro Severino (Marco Nanini). Ele, também por dinheiro, mata vários personagens, entre os quais o próprio Grilo.
A história tem um desfecho surpreendente, quando os personagens são julgados, no Tribunal das Almas, por um Jesus negro (Maurício Gonçalves) e pelo Diabo (Luís Melo), e acabam recebendo o auxílio providencial de Nossa Senhora. Ela consegue livrar os mortos da condenação do inferno e se compadece de João Grilo, que volta à Terra para se redimir de seus pecados.
Arraes, que além de ter feito a adaptação de "O Auto da Compadecida" é também responsável pela direção geral, explicou que a dupla João Grilo e Chicó é uma interpretação de Suassuna das duplas nordestinas conhecidas como o "palhaço" e a "besta". No caso, segundo Arraes, ambos são palhaços, mas, enquanto um é esperto, o outro é bobo.
Para o diretor, como os personagens picarescos não têm histórias de amor, foi acrescentado ao perfil de Chicó um lado romântico. Na peça há apenas a sugestão de que ele tem um caso com Dora. Já na série o envolvimento entre eles fica explícito. Chicó também se apaixona por Rosinha (Virgínia Cavendish).
Na versão de "O Auto da Compadecida" para a TV, também foi usado um pequeno trecho de outra peça de Suassuna, "Torturas de um Coração". O autores ainda usaram pesquisa, feita a partir de teorias -compartilhadas por Suassuna- que traçam um paralelo entre o Nordeste e a Idade Média.
Segundo Arraes, existe uma relação entre o humor popular nordestino e as farsas e contos da Idade Média; entre o "sabido" nordestino e os "criados" de Molière.
Ele disse que adaptou cenas do "Decameron", de Bocaccio, autor florentino do século 14, "que combinaram muito com o Nordeste", e fez referências de cenas, retiradas pelo próprio Suassuna, da literatura de cordel.
Foi também em alguns cordéis que Nachtergaele se inspirou para compor fisicamente João Grilo.
"Eu quis fazê-lo aparentemente franzino, fraco, como personagens que aparecem nesse tipo de literatura. Fiz com que ele parecesse desprovido de qualquer qualidade. Uma pessoa para quem se olha e pela qual não se dá nada, mas que na verdade é mais esperto e tem mais condições de sobreviver do que qualquer um", disse.
Na caracterização do personagem, ele usou prótese nos dentes, escureceu a pele e acrescentou um jeito de olhar meio vesgo.



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