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REALIDADE SEM SHOW
A verdadeira Casa dos Artistas é aqui
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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A ex-bailarina húngara Elisabeth Cserba |
Em contraste com o badalado programa da TV, a instituição para idosos da zona oeste do Rio sofre com muitas carências e pede socorro
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FERNANDA DANNEMANN
FREE LANCE PARA A FOLHA
FUNDADA em 1918, a instituição
conhecida como "Casa dos Artistas", em Jacarepaguá (zona oeste do
Rio), e que oficialmente chama-se Retiro
dos Artistas, não tem o glamour do "reality show" da TV, mas muitas dificuldades. Funcionários estão com salários
atrasados, dívidas ameaçam o fornecimento de luz, água e telefone, ratos transitam pelo ambulatório. À frente da "Casa" há dois anos, o ator Stephan Nercessian vem fazendo campanhas na Rede
Globo e promovendo eventos para angariar fundos e melhorar a vida dos 41 idosos residentes, muitos deles ex-atores.
"Quando assumi, as dívidas chegavam a
R$ 2 milhões, contraídas em 20 anos",
diz ele. "Tem sido difícil, mas, por incrível que pareça, a situação está melhor."
Não há médico em período integral, o
que, segundo a Secretaria Municipal de
Saúde do Rio, é ilegal. Nem psicólogo, assistente social ou nutricionista em jornadas regulares. No ambulatório, faltam
remédios e equipamentos. Se algum dos
idosos passar mal, é preciso correr para
um hospital na ambulância doada pela
primeira-dama do Rio, Rosinha Matheus. Foi ela, através da ONG Vida Obra
Social, quem viabilizou a reforma da pequena vila de 35 casinhas de dois quartos
-abafadíssimas-,do refeitório e do
teatro com 300 lugares, onde Altair Farias da Silva, 84 anos, pretende voltar a
trabalhar como o palhaço Cocada. Ao
som do "hilariê" de Xuxa em sua velha
vitrola, ele relembra os tempos do circo e
diz que ainda anima festas infantis.
É também no teatro da "Casa dos Artistas" que Sylvia Guimarães, belíssima
aos 80, pretende voltar ao palco. "Vou estrear uma peça que levei no Cacilda Becker, chamada "Deus e a Mãe", escrita por
mim. Mas eu espero mesmo é por um
convite da Globo", diz ela, que não gosta
do "reality show" do SBT: "O Retiro dá
de dez nesse programa do Silvio".
Apesar dos planos de Altair e Sylvia, os
residentes da "Casa" da vida real não
costumam sonhar mais. A atriz Iolanda
Cardoso, por exemplo, que já trabalhou
em diversas novelas da Globo, está cega
aos mais de 70 anos e apóia-se numa
bengala enquanto afirma que está bem.
Recentemente internada num hospital
público, Iolanda foi levada ao Retiro pelos amigos Paulo Goulart e Nicete Bruno.
Outro morador conhecido é José Carlos
Kurt, que foi o antagonista louro e mal-humorado de "Os Trapalhões" durante
anos. Desde 1996, ele vive lá com a mulher e a filha. Aos 69, e esquecido pelo público, Kurt tem mal de Alzheimer.
Piscinas
Mas há quem drible as dificuldades para manter-se ativo. O argentino Julio Natale, elegantíssimo em sua
idade não revelada, cuida dos 25 mil livros e 17 mil discos doados ao Retiro,
mantendo o acervo a salvo das goteiras e
limpando tudo para evitar traças e mofo.
Na biblioteca, cujas estantes ele mesmo
construiu, o calor é insuportável. E, por
falar em calor, as duas piscinas do lugar
são impecavelmente limpas graças também a Julio, que gasta com a manutenção parte de seu tempo e de sua aposentadoria.
Mas, como não há um salva-vidas
-exigência do Corpo de Bombeiros-,
os residentes não podem se refrescar nas
piscinas. A dançarina húngara Elisabeth
Cserba, 80, campeã de natação na juventude, recorre à sombra das árvores do
jardim. A sala de ginástica, um quartinho
com alguns aparelhos, também não pode ser usada, pois falta instrutor.
Parece difícil ser feliz nesta "Casa dos
Artistas", onde predominam o ócio, o
saudosismo e as carências. Falta também
coragem para assumir as queixas. Temendo represálias, dois residentes pediram anonimato ao reclamarem da falta
de qualificação dos funcionários e da
qualidade da comida.
Em meio a tantas diferenças entre a
"Casa dos Artistas" real e a da TV, Sylvia
Guimarães diz que adora viver ali. "Não
me falta nada e sou bem tratada, por incrível que pareça", diz. Rosa da Cunha,
67, atriz portuguesa que veio para o Brasil em 1958, tem os olhos tristes e lamenta
a falta de horizontes. "Na TV não há papel para artistas velhos", afirma. Coraci
Pereira da Silva, o palhaço Tuska, com
passagens pelos programas da Xuxa e
dos Trapalhões, diz que quando aparece
trabalho, as agências ficam com parte do
cachê. Enquanto isso, Noêmia dos Santos, também dançarina, troca de roupa
pela terceira vez no dia, passa um batonzinho e sai para comprar água e refrigerante a fim de abastecer a geladeira. E arremata: "Vai uma Coca-Cola aí?"
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