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ARTIGO
Ou a TV evolui, ou vai para o brejo
MAURO MENDONÇA FILHO
QUE tal tentarmos a civilização?,
pergunta Eugênio Bucci ao fim
de sua coluna no TV Folha. A proposta soa irônica, mas é ampla em sua
essência. Parece apenas mais um
questionamento da qualidade da
atual programação das TVs, motivado pela concorrência cada vez mais
acirrada. Mas suas origens são dignas:
oriundas da nossa irrestrita e cada vez
mais eterna insatisfação com a falta
de evolução em inúmeros setores e
serviços do país, dos quais a programação da TV não pode nem deve ser
excluída. Uma televisão mais atraente, divertida e construtiva há de ser
um reflexo bastante positivo de um
povo como o brasileiro, que sempre
viveu com ela um intenso caso de
amor.
Hoje, porém, essa relação anda um
pouco em crise. A TV ainda corteja e
seduz o brasileiro -embora ainda
insista em rejeitar sua imagem-,
mas o satisfaz apenas com o prazer
necessário e cotidiano, sem expectativas. O povo, que antes era passivo
dentro do monopólio global, saiu de
baixo e agora é quem está por cima,
ativo na dança da audiência e no manejo do controle remoto. Nunca foi
influente ou determinante nos caminhos da programação e hoje ri com o
brinquedo que tem nas mãos. De manipuladora, a TV passou a ser manipulada. Vive agora em função dos desejos de diversão do público que, carente de melhor informação, recorre
a imagens e formatos ultrapassados e
de gostos muitas vezes duvidosos. A
demanda vem exigindo cada vez mais
a oferta. As emissoras procuram atender como podem, nivelando-se e diferindo muito pouco entre si, de certa
forma sem personalidade ou orgulho
próprio. A sensação de regressão é
forte.
O que há de se atentar é que o momento não é de todo ruim. Pode ser
que estejamos no ponto de partida de
uma corrida pela diversificação e renovação da programação, ativada por
uma concorrência leal. A aparente regressão coloca todos próximos da estaca zero, tendo que olhar pra frente.
Vivemos um momento de superexposição das nossas fraquezas morais,
sociais e culturais. Um momento crucial em que OU EVOLUÍMOS OU
VAMOS PARA O BREJO DE VEZ. O
público/eleitor/cidadão deve ser mais
exigente nas suas escolhas também,
mas, para isso, é preciso que nós, profissionais, ofereçamos mais ferramentas. Se o público de TV não abre
mão de ter sexo-violência-romance-humor em toda sua programação, isso não significa que a única opção seja
o extremo do popularesco. Há milhares de nuances para lidar com esses
elementos, e a sofisticação no tratamento não necessariamente os torna
impopulares. "Os Normais", "Agosto", "O Rei do Gado", "Comédia da
Vida Privada", "A Muralha", "O Auto
da Compadecida". Todas essas obras,
que lidam com três dos quatro elementos citados, foram ou são extremamente populares, exibiram maior
qualidade no conteúdo e na realização e, de quebra, inseriram importantes informações culturais, sejam contemporâneas ou literárias.
A TV precisa ter mais personalidade e vergonha na cara. Ser mais consistente em seu conteúdo, mais sincera em suas propostas, mais responsável em evitar a bestialização. Mudar
de posição e oferecer mais variações
na relação com o público. A este, cabe
exigir mais.
O momento é crucial. A democracia
ainda não chegou à TV. Mas também
não chegou às ruas, à política, aos tribunais.
Que tal tentarmos a civilização?
O autor é diretor de TV e responsável pela supervisão de dramaturgia do "Fantástico"
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