São Paulo, domingo, 03 de junho de 2001

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A MENOR TV DO MUNDO

A Rede Muro de Televisão exibe jornalismo, comerciais, pegadinhas e abusa da tragédia alheia para atrair o público na rua

Uma televisão para (bem) poucos

Jefferson de Freitas/Folha Imagem
Crianças assistem ao "Jornal Legal", transmitido sempre ao vivo


RODRIGO DIONISIO
ENVIADO ESPECIAL A SABARÁ (MG)

"VOCÊ que está subindo, você que está descendo. Pare! E me veja aqui no muro." É com esse bordão que, de segunda a sexta, vai ao ar o "Jornal Legal", pela Rede Muro de Televisão.
Se você nunca ouviu falar do programa ou da emissora, a explicação é simples. A TV Muro, seu nome mais popular, é uma emissora caseira da cidade histórica de Sabará (MG). Ela alcança dez residências e as pessoas que passam diante do número 299 da rua São Francisco.
Uma televisão posta sobre o muro da casa (daí o nome da emissora) transmite a programação. O "Jornal Legal", atração única do canal, dividida em blocos, vai ao ar das 18 às 21h (inédito às segundas, quartas e sextas, reprisado às terças e quintas). Aos sábados, é televisionada a missa da Igreja de São Francisco.
A emissora atinge menos de cem pessoas. Estima-se que cerca de 30 espectadores param, diariamente, para ver a transmissão no muro. Nas dez casas receptoras do sinal, vivem 40 pessoas.
Na internet (www.broadcast.net/blinx/llinx.html) é possível encontrar links para pequenas redes de rádio e televisão, mas nenhuma com alcance tão baixo quanto o da emissora mineira.
E o público gosta, pelo menos o ouvido pela reportagem da Folha. Segundo os dois "funcionários" da emissora, a fidelidade ao canal é grande.
- A Virgínia perde um programa, Edu?
- Perde não.
Quem pergunta é Francisco Dário dos Santos, 27, o Chiquinho, dono, apresentador e repórter da emissora. A resposta é de Eduardo Dias, 21, dono de bicicletaria e cameraman da TV Muro.
Como qualquer TV aberta, a Muro tem espaço para comerciais: produtos vendido pelos moradores e, claro, os serviços da bicicletaria de Eduardo. A emissora não tem fins lucrativos, e os comerciais são gratuitos. Segundo Chiquinho, quem anuncia em seu canal vende.
Sucesso igual não têm as pegadinhas. "Subia a rua com uma caixa nas costas. Quando passava alguém, eu deixava cair. A pessoa se assustava, mas, ao virar para xingar, me reconhecia, percebia a brincadeira. Sabará é pequena, sabe? Todos me conhecem", diz Chiquinho.
Apesar de pequena, a cidade rende material para "jornalismo investigativo".
Moradores reclamaram da existência de excrementos atrás da Igreja de São Francisco. Chiquinho e Eduardo se esconderam no meio de um matagal próximo e flagraram o "criminoso".
"Mostramos as imagens desfocadas. Queria a diversão sem prejudicar ninguém", afirma o dono da TV Muro.
Apesar dessa atitude, expor a vida íntima das pessoas, coisa comum nas grandes emissoras, é arma para conquistar a audiência. "Quando o Antônio Carlos, marido da Beth, morreu, eu fiz uma entrevista com ela, perguntei como se sentia. Ela começou a chorar, e um monte de gente parou para ver. As pessoas gostam disso", conta Chiquinho.
Constatar quantos telespectadores param na calçada para ver a TV Muro, no muro, é simples: um buraco no portão serve para espiar a audiência.
O "Jornal Legal" exibe ainda blocos de conscientização ecológica e sobre cultura e folclore. Mesmo sem querer, a emissora segue a Constituição. Segundo o artigo 221 do capítulo 5, as TVs devem dar "preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" e enfocar a "cultura nacional e regional".
Mas a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), com base no mesmo capítulo 5, informa que, por não ter "concessão, permissão ou autorização" federal, a emissora é ilegal.
Chiquinho afirma ter conversado com "amigos que entendem de televisão", e que eles garantiram não haver problema em transmitir seu programas, devido ao baixo alcance da emissora.



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