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A MENOR TV DO MUNDO
A Rede Muro de Televisão exibe jornalismo, comerciais, pegadinhas e abusa da tragédia alheia para atrair o público na rua
Uma televisão para (bem) poucos
Jefferson de Freitas/Folha Imagem
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Crianças assistem ao "Jornal Legal", transmitido sempre ao vivo
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RODRIGO DIONISIO
ENVIADO ESPECIAL A SABARÁ (MG)
"VOCÊ que está subindo, você
que está descendo. Pare! E me
veja aqui no muro." É com esse bordão
que, de segunda a sexta, vai ao ar o "Jornal Legal", pela Rede Muro de Televisão.
Se você nunca ouviu falar do programa
ou da emissora, a explicação é simples. A
TV Muro, seu nome mais popular, é uma
emissora caseira da cidade histórica de
Sabará (MG). Ela alcança dez residências
e as pessoas que passam diante do número 299 da rua São Francisco.
Uma televisão posta sobre o muro da
casa (daí o nome da emissora) transmite
a programação. O "Jornal Legal", atração
única do canal, dividida em blocos, vai
ao ar das 18 às 21h (inédito às segundas,
quartas e sextas, reprisado às terças e
quintas). Aos sábados, é televisionada a
missa da Igreja de São Francisco.
A emissora atinge menos de cem pessoas. Estima-se que cerca de 30 espectadores param, diariamente, para ver a
transmissão no muro. Nas dez casas receptoras do sinal, vivem 40 pessoas.
Na internet (www.broadcast.net/blinx/llinx.html) é possível encontrar
links para pequenas redes de rádio e televisão, mas nenhuma com alcance tão
baixo quanto o da emissora mineira.
E o público gosta, pelo menos o ouvido
pela reportagem da Folha.
Segundo os dois "funcionários" da emissora, a fidelidade ao canal é grande.
- A Virgínia perde um programa, Edu?
- Perde não.
Quem pergunta é Francisco Dário dos
Santos, 27, o Chiquinho, dono, apresentador e repórter da emissora. A resposta
é de Eduardo Dias, 21, dono de bicicletaria e cameraman da TV Muro.
Como qualquer TV aberta, a Muro tem
espaço para comerciais: produtos vendido pelos moradores e, claro, os serviços
da bicicletaria de Eduardo. A emissora
não tem fins lucrativos, e os comerciais
são gratuitos. Segundo Chiquinho, quem
anuncia em seu canal vende.
Sucesso igual não têm as pegadinhas.
"Subia a rua com uma caixa nas costas.
Quando passava alguém, eu deixava cair.
A pessoa se assustava, mas, ao virar para
xingar, me reconhecia, percebia a brincadeira. Sabará é pequena, sabe? Todos
me conhecem", diz Chiquinho.
Apesar de pequena, a cidade rende material para "jornalismo investigativo".
Moradores reclamaram da existência
de excrementos atrás da Igreja de São
Francisco. Chiquinho e Eduardo se esconderam no meio de um matagal próximo e flagraram o "criminoso".
"Mostramos as imagens desfocadas.
Queria a diversão sem prejudicar ninguém", afirma o dono da TV Muro.
Apesar dessa atitude, expor a vida íntima das pessoas, coisa comum nas grandes emissoras, é arma para conquistar a
audiência. "Quando o Antônio Carlos,
marido da Beth, morreu, eu fiz uma entrevista com ela, perguntei como se sentia. Ela começou a chorar, e um monte de
gente parou para ver. As pessoas gostam
disso", conta Chiquinho.
Constatar quantos telespectadores param na calçada para ver a TV Muro, no
muro, é simples: um buraco no portão
serve para espiar a audiência.
O "Jornal Legal" exibe ainda blocos de
conscientização ecológica e sobre cultura e folclore. Mesmo sem querer, a emissora segue a Constituição. Segundo o artigo 221 do capítulo 5, as TVs devem dar
"preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" e enfocar a "cultura nacional e regional".
Mas a Abert (Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão), com
base no mesmo capítulo 5, informa que,
por não ter "concessão, permissão ou
autorização" federal, a emissora é ilegal.
Chiquinho afirma ter conversado com
"amigos que entendem de televisão", e
que eles garantiram não haver problema
em transmitir seu programas, devido ao
baixo alcance da emissora.
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