São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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CRÍTICA

Quem vê tanta novela?

FRANCISCO MARTINS DA COSTA
Editor do TV Folha

Na semana passada, uma das mais tradicionais "soap-operas" da TV norte-americana terminou. "Another World" teve nada menos que 8.891 capítulos, que foram ao ar durante os últimos 35 anos.
O fim dessa telenovela não é um fato isolado na TV dos EUA. Conforme o prestigioso jornal "The New York Times" atestou em reportagem na primeira página, essa parece ser uma tendência irreversível na televisão de lá.
As novelas perderam cerca de 25% de sua audiência na última década e foram expulsas do horário nobre. Mesmo durante a tarde, a audiência também despencou devido às mudanças nos hábitos do principal público espectador, as donas-de-casa.
Com cada vez mais mulheres trabalhando, estudando e passando a maior parte do tempo fora do lar pelos mais diversos motivos, a audiência tende a cair ainda mais.
Mary Alice Dwyer-Dobbin, diretora da Procter & Gamble Productions (nome que por si só já explica a origem do termo "soap-opera"), reconhece que os dias de glória já se foram e não voltam mais.
No Brasil, as coisas tendem a seguir o mesmo rumo, apesar de muita gente ainda investir pesado no gênero.
Na quarta-feira passada, a TV Globo publicou um anúncio enorme em vários jornais para mostrar que seus índices de audiência vêm se mantendo estáveis nos últimos anos. OK, podem estar se mantendo estáveis de 97 para cá, principalmente se analisados grandes blocos de horário, como as faixas "da manhã", "da tarde" e "da noite". Mas hoje é incontestável que a audiência especificamente das novelas está longe dos números que registrava há não muito tempo.
"Malhação" já teve uma audiência média próxima dos 30 pontos (cada ponto equivale a cerca de 80 mil telespectadores na Grande São Paulo). Na segunda-feira, registrou 18 pontos de média.
Na faixa das seis, a audiência média das novelas em 1993 ficava em torno dos 48 pontos. Na última segunda-feira, "Força de um Desejo" marcou "apenas" 24 pontos.
"Top Model", em 1989, tinha média de 60 pontos, segundo o Ibope. A atual novela das sete, "Andando nas Nuvens", registrou 31 pontos na última segunda-feira.
Para finalizar, "Suave Veneno", a trama que atualmente é exibida na faixa das oito, raramente passa dos 38 pontos de média. "O Rei do Gado", de 1996, ficava sempre pelo menos dez pontos acima desse patamar, e "O Salvador da Pátria", de 1989, tinha uma média de 63 pontos.
A queda do interesse pelas novelas na Globo é atestado pelos números do Ibope. Nas outras emissoras, pode ser medido pelo número de tramas atualmente no ar. A Bandeirantes desistiu de fazer produções no gênero após o fiasco de "Serras Azuis" e "Meu Pé de Laranja Lima". O SBT já exibiu simultaneamente três novelas -atualmente são só duas ("A Usurpadora" e "Chiquititas").
A Manchete já teve dois horários para novelas (hoje só tem um), e a CNT/Gazeta, que não tem nenhuma novela atualmente no ar, já chegou a exibir para seus telespectadores quatro novelas mexicanas ao mesmo tempo.
A Record, ao que se sabe, não tem planos de ampliar o horário dedicado às novelas.
A crise nas novelas, além de "numérica", também se manifesta na falta de talentos, renovação e criatividade.
A direção da Globo tenta passar a impressão de que tudo está muito bem, mas quando a ex-paquita Letícia Spiller vira estrela da novela das oito, não resta dúvida que algo está errado.
É difícil de acreditar que tudo esteja azul na Globo quando se sabe que a audiência da atual novela das sete fica abaixo da média de "Zazá", um notório fracasso que tinha médias de 33 pontos.


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