São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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Atores, dublês e figurantes reconstituem crimes para telejornais e programas como o "Linha Direta" e passam por situações mais interessantes do que os casos que reproduzem
Realidade virtual

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Os atores Febrônio e Cris Alves durante as gravações da reconstituição de um crime


ALEXANDRE MARON
da Reportagem Local

Eles estiveram envolvidos em diversos golpes e sofreram atentados, ficando sempre em evidência nos telejornais das principais emissoras do país. São os atores, figurantes e dublês que participam de simulações em programas de TV como o "Linha Direta" e alguns telejornais.
A cada crime polêmico, esse "exército" é chamado para reconstituir os acontecimentos e, em alguns momentos, cometem excessos. Alguns diretores de jornalismo das emissoras acreditam que essas reconstituições servem mesmo para esclarecer um crime. Para outros, apenas transformam a tragédia em um espetáculo sem valor jornalístico (leia texto nesta página).
Essa profissão é geralmente mal remunerada: os dublês ganham cerca de R$ 70 por dia de trabalho, e os figurantes recebem R$ 30. Como a maior parte das simulações distorce as imagens para não mostrar seus rostos, eles "morrem" uma, duas, centenas de vezes sem que o telespectador perceba que é a mesma pessoa.
Esses profissionais contam histórias que, muitas vezes, despertam mais interesse do que os casos que dramatizam na TV.
É o caso de Sabugo, o nome artístico dos tempos de palhaço circense do veterano Carlos Roberto Figueiredo, 48. Ele começou como ator em 1963 e fundou em 1990 a academia Águias de Fogo, especializada em formar dublês.
"Nós temos de ser ágeis como uma águia e não temos medo do fogo, por isso o nome", revela.
Sua equipe faz a maioria das simulações vistas nos telejornais das redes Globo e Bandeirantes e atuou em algumas cenas para o "Câmera Record", projeto que o repórter Domingos Meirelles estava desenvolvendo para a emissora do bispo Edir Macedo.
O trabalho de simulação pode criar alguns mal-entendidos perigosos. "Uma vez, simulamos um assalto a banco numa rua de São Paulo. Um grupo de policiais que não tinha sido avisado se assustou e tentou nos prender. Quase virou um tiroteio", conta.
Hélio Febrônio, 31, também estava lá. "Foi ainda mais assustador porque estávamos com armas de verdade, só que descarregadas. Eles podiam mesmo ter atirado em nós."
Além dessa simulação, Febrônio já participou de mais de 500 outras nos últimos nove anos em que trabalha na área. "Devo ter "morrido" umas 70 ou 80 vezes. Normalmente sou o matador", conta Febrônio, que decidiu se tornar dublê quando assistiu a uma cena de ação com Mel Gibson no primeiro filme da série "Máquina Mortífera".
Um outro dublê, Jorge Só, 38, coordena as cenas de ação do "Linha Direta", da Globo. Ele também já levou alguns sustos.
Durante as gravações da simulação da morte da estudante Ana Carolina da Costa Lino, que foi assassinada no ano passado no bairro de Laranjeiras (Rio de Janeiro), a equipe de produção viveu momentos de tensão.
As cenas, exibidas no programa do dia 27 de maio, mostravam o carro da estudante sendo "fechado" pelos dos criminosos, que depois a cercavam e apontavam armas como escopetas e fuzis.
Um morador das imediações do local das gravações, segundo Só, se assustou com a cena e, achando que era tudo real, começou a disparar da janela de sua casa tiros com um revólver.
As situações são contornadas quando a equipe de produção avisa que tudo não passa de uma gravação para um programa global. "Depois, até ficam acompanhando a gravação", diz Jorge Só, cujos serviços são mais caros do que os cobrados para as simulações diariamente vistas nos telejornais: cerca de R$ 15 mil para capotar um carro.

Antigalã
Para alguns, participar da simulação de um crime importante acaba sendo até uma honra. É o que pensa o funcionário aposentado da Light Aléssio José Pedrosa, 52. O figurante carioca encarnou Paulo César Farias, o tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello, no primeiro episódio de "Linha Direta".
"Sempre fui engraçado e achavam que eu tinha jeito de artista. Mas, como sou careca, gordo, baixinho e feio, dizia que isso só podia ser brincadeira deles", conta Pedrosa, que acha que nem se parece tanto com PC Farias.
"Precisaram aparar o meu bigode e colocar enchimento nas minhas bochechas. Acho que o resultado final ficou muito legal. Todos ficam me chamando de PC nas ruas, e depois disso até participei de um "Você Decide'", diz.
Ser identificada com personagens de crimes famosos assusta a atriz Marta Morel, 39. A simulação da morte do dramaturgo Dias Gomes para o "Jornal Nacional" foi uma das inúmeras das quais participou nos últimos quatro anos.
"O "Linha Direta" é interessante, mas, se as pessoas confundem personagens de novelas com os atores, pode acontecer alguma coisa pior com representações de crimes", diz. No entanto, isso não a impediu de participar de uma simulação do programa.
Em março, ao atuar na simulação do assassinato da subsíndica Maria Rita de Cássia Soares, que foi esfaqueada 30 vezes num prédio em Belo Horizonte (MG), Marta teve pesadelos. Ficou impressionada com a brutalidade do crime.
"Às vezes, fazemos alguns papéis pesados nessas simulações e isso exige muito de nós", conta o ator e professor de Jiu-Jitsu Ali Muradi, 37. Ele participou como um dos cúmplices na simulação do assassinato da psicóloga Rosa Yuaso, em sua casa em Mairiporã (Grande SP), que foi ao ar no "Linha Direta" do dia 10 de junho.
As gravações foram feitas no próprio local onde ocorreu o assassinato há cerca de seis meses, e toda a equipe de produção e os atores ficaram nervosos.
"Colocamos incensos para limpar o local, e eu, que tenho um lado místico muito forte, rezei e pedi autorização espiritual para entrar na casa e tocar nos objetos", revela Muradi, que é messiânico e, apesar de dar aulas de uma arte marcial, se declara um pacifista.
Segundo Muradi, nessa mesma gravação, a atriz que interpretou Rosa Yuaso ficou tão nervosa que chorou de verdade nas cenas em que o assassinato de sua personagem foi simulado.

Pôster na "Playboy"
Entre os dublês que simulam crimes existe até uma mulher que já foi pôster da "Playboy" (edição de outubro de 1995) e musa da torcida palmeirense. É a modelo e atriz Cris Alves, 30.
Ela já fez cerca de 350 reconstituições. Em setembro do ano passado, chegou a ser amarrada a um carro e arrastada, para uma simulação da morte de Selma Heloísa Artigas Silva, prostituta assassinada em Ribeirão Preto (SP). A reconstituição foi ao ar no "Programa do Ratinho", do SBT.
Ela não participou só de simulações de crimes. Como diz apreciar o perigo, chegou a servir de isca para que um crime fosse documentado.
"Vesti uma roupa chique, coloquei um monte de jóias e parava nos semáforos com as janelas do carro abertas para atrair um assaltante e mostrar a insegurança nas ruas. Por sorte, ninguém se aventurou", conta.
Cris se esforça para conciliar a carreira de modelo, fazendo convenções e pequenos desfiles no interior do país, com a de dublê, na qual costuma se machucar. "Levo numa boa os hematomas que ganho. Gosto dos desafios da profissão", explica.
"Mas estou um pouco cansada de sempre apanhar e ser a vítima. De vez em quando, gostaria mesmo era de encarnar a pistoleira", confessa.


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