ESTHER HAMBURGER
em Austin

Gene Mikulenka é o caubói americano do fim do milênio. Montador, criador e treinador de cavalos, participante de rodeios, o texano do sul é gay. E, aos 39 anos, resolveu compartilhar sua identidade homossexual com o público, os torcedores, os apostadores e a família.
"American Cowboy" é o documentário que serve de veículo à revelação da intimidade do campeão. O filme de 52 minutos, dirigido pelo jovem Kyle Henry é bem comportado. A idéia é mostrar o cotidiano viril desse apaixonado pelos cavalos sem nenhum escândalo.
Além da paixão pelos cavalos, Gene tem o senso de aventura em comum com os caubóis dos filmes de bangue-bangue, que por tantos anos encarnaram o indivíduo conquistador do Oeste do território norte-americano.
Competidor obsessivo, Mikulenka não recua diante de uma fratura causada por um touro. Mesmo com a perna engessada e dolorida, o campeão mantém seus compromissos esportivos e profissionais e pega a estrada em direção às finais de 1996 da Associação Internacional Gay de Rodeios no Estado do Novo México.
O tom do documentário é confessional. E em vez da virilidade solitária e carrancuda encarnada nos personagens interpretados por John Wayne, o público é brindado com uma narrativa centrada na intimidade da casa e da criação do montador.
Enquanto Gene Mikulenka acumula medalhas, somos apresentados ao hall de entrada, à sala de visitas, ao quarto, ao banheiro, à sua égua preferida e ao seu namorado Stephen.
Acompanhamos o treinamento dos cavalos, o pedido de casamento, o anel de noivado, o banho na banheira cheia de espuma etc.
Gene fala de suas hesitações em revelar suas preferências sexuais, conta de sua infância em uma pequena cidade sulista, comenta sobre o conservadorismo da família que o força a manter distância. Depois da morte dos pais, o domador decide vir a público.
Tudo muito normal. A grandiosidade selvagem do Monument Valley, cenário de muitas das aventuras do faroeste, é substituída pela reportagem comentada nos palcos domados da arena esportiva. O documentário desconstrói o mito épico do caubói que as aventuras das caravanas e montarias construiram.
E, no lugar de um sempre solitário, potente e grandioso montador justiceiro, encontramos a versão delicada, mas muito sincera, inofensiva e domesticada do caubói gay norte-americano.


E-mail: ehamb@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice