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PEGOU PESADO
Armas de fogo, simulações de tiroteios e assaltos e até deboche aos sem-teto marcam as brincadeiras exibidas em diversos programas televisivos
Pegadinhas extrapolam a diversão
BRUNO GARCEZ
ERIKA SALLUM
da reportagem local
A DONA de um terreno em Interlagos (zona sul de São Paulo) vai visitar sua propriedade e a encontra tomada
por um grupo de sem-teto -integrantes
do MSC (Movimento dos Sem Casa). No
local, há ainda uma equipe de TV e um
procurador da Justiça, que diz que o terreno foi avaliado em R$ 15 mil, valor que
será pago em 20 anos pelos "invasores".
Ao final, ela descobre que tudo não
passou de uma brincadeira do "Telegrama Legal", quadro exibido na semana
passada no "Domingo Legal", de Gugu
Liberato, no SBT. O "telegrama" provocou risadas na dona da propriedade, mas
não nos membros da Central de Movimentos Populares, entidade que reúne,
entre outras, organizações de sem-teto
que promovem ocupações de terrenos.
"O quadro passou uma imagem dos
sem-teto como sendo vândalos, que chegam até a fazer um refém (refere-se à cena em que os integrantes do MSC amarram o repórter de TV). Vamos exigir direito de resposta no mesmo programa",
diz José Albino, integrante da direção da
Central de Movimentos Populares.
A "invasão do MSC" é mais uma das
pegadinhas de mau gosto que infestam a
TV brasileira, apesar de Roberto Manzoni, diretor-geral do "Domingo Legal", dizer que tudo não passa de brincadeira.
"Não quisemos ofender ninguém com
o quadro da invasão. Tanto que inventamos um movimento, o MSC. No mais,
foi o irmão da dona do terreno que nos
sugeriu o tema. Conceder direito de resposta a quem, ao MSC?", diz Manzoni.
Em enquete feita pelo TV Folha há um
mês, esse tipo de brincadeira -popularmente conhecida como pegadinha- foi
criticada por quase todos os 94 leitores
que deram sua opinião por carta e por e-mail. Indagados sobre qual a pior pegadinha da televisão, venceram as de Sérgio
Mallandro, exibidas aos sábados na
CNT/Gazeta, com mais de 60% do total
de votos.
Nas pegadinhas, Mallandro já usou revólveres e facas e simulou tiroteios e assaltos em locais públicos, como um ônibus e o auditório de seu programa. Além
disso, muitas de suas pegadinhas acabam em briga e resvalam na escatologia,
como a de um padeiro que assoa o nariz
no pão e a de um rapaz que, seguindo
uma moça na rua, diz ter encontrado seu
absorvente, após cheirá-lo.
"Gugu já fez simulações de assalto e no
"Faustão" já mostraram coisas pesadas.
Mas só criticam o Sérgio Mallandro porque ele é o único entre os apresentadores
que participa das pegadinhas como ator.
Não temos mais feito esse tipo de pegadinha, mas recebemos muitos pedidos para repetir algumas, como a do ônibus,
por exemplo", afirma Ivan Ferreira, diretor-geral da "Festa do Mallandro".
No mês passado, uma pegadinha de
Mallandro causou confusão em Pirituba
(região oeste de São Paulo), quando um
homem contratado por R$ 100 pela produção do programa subiu em uma placa
de sinalização da marginal Tietê. O Corpo de Bombeiros foi acionado por pessoas que pensavam que o rapaz estava
tentando se suicidar.
"Esse tipo de brincadeira caracteriza
desvio de aparato público. Enquanto
atende a uma pegadinha, uma viatura
deixa de auxiliar uma pessoa em situação
real de perigo. Nunca participamos disso, apesar de esses programas já nos terem pedido, por exemplo, para ajudar a
"pegar" um cantor forjando um flagrante
de apreensão de drogas no seu carro",
conta Edson de Jesus Sardano, subchefe
da área de comunicação social da Polícia
Militar de São Paulo.
Mas o mau gosto não se resume à
CNT/Gazeta. A Record também exibe
algumas pegadinhas que mais constrangem que divertem, como a de um deficiente físico que atravessa a rua no sinal
verde. Quando chega à outra calçada,
após "atrapalhar" o trânsito, larga suas
muletas e sai andando perfeitamente,
provocando a ira dos motoristas.
"Quando há um acidente de carro, por
exemplo, o povo pára para ver, é sempre
assim. É a mesma coisa com as pegadinhas, elas prendem a atenção do espectador", diz Claudemir Fernandes, produtor das pegadinhas da Record.
Para o psiquiatra e analista Alvaro Ancona de Faria, a explicação vai um pouco
além: "Há uma curiosidade mórbida,
sim, que instiga o público a ver algo tão
constrangedor na TV. Mas existe outro
fator: enquanto está assistindo alguém
ser enganado, o telespectador passa a ser
o "esperto", aquele que vê o outro se dar
mal. Ele não é mais o "pato", coisa que estamos tão costumados a ser nestes tempos tão difíceis".
Pegadinhas 'leves'
Criadas nos anos 50, tendo como um de
seus pioneiros o americano "Candid Camera", as pegadinhas nem sempre são
doentias. Muitas conseguem unir diversão, leveza e simplicidade.
Um exemplo é uma pegadinha apresentada recentemente no programa "Te
Vi na TV", da Rede TV!. Nela, um pseudocriador de peixes expunha em uma
feira um aquário com "peixes raros, difíceis de serem vistos". Na verdade, o
aquário estava vazio, mas muita gente
"enxergou" os animais imaginários.
"Tem de ter critério quando se brinca
com alguém. Não se pode constranger
ou humilhar. Se você conseguir isso, tem
uma boa pegadinha", explica Oscar Pardini, que, após trabalhar no "Topa Tudo
por Dinheiro" (SBT), hoje é ator e diretor das pegadinhas do "Faustão".
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