São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


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PEGOU PESADO
Armas de fogo, simulações de tiroteios e assaltos e até deboche aos sem-teto marcam as brincadeiras exibidas em diversos programas televisivos
Pegadinhas extrapolam a diversão

BRUNO GARCEZ
ERIKA SALLUM
da reportagem local

A DONA de um terreno em Interlagos (zona sul de São Paulo) vai visitar sua propriedade e a encontra tomada por um grupo de sem-teto -integrantes do MSC (Movimento dos Sem Casa). No local, há ainda uma equipe de TV e um procurador da Justiça, que diz que o terreno foi avaliado em R$ 15 mil, valor que será pago em 20 anos pelos "invasores".
Ao final, ela descobre que tudo não passou de uma brincadeira do "Telegrama Legal", quadro exibido na semana passada no "Domingo Legal", de Gugu Liberato, no SBT. O "telegrama" provocou risadas na dona da propriedade, mas não nos membros da Central de Movimentos Populares, entidade que reúne, entre outras, organizações de sem-teto que promovem ocupações de terrenos.
"O quadro passou uma imagem dos sem-teto como sendo vândalos, que chegam até a fazer um refém (refere-se à cena em que os integrantes do MSC amarram o repórter de TV). Vamos exigir direito de resposta no mesmo programa", diz José Albino, integrante da direção da Central de Movimentos Populares.
A "invasão do MSC" é mais uma das pegadinhas de mau gosto que infestam a TV brasileira, apesar de Roberto Manzoni, diretor-geral do "Domingo Legal", dizer que tudo não passa de brincadeira.
"Não quisemos ofender ninguém com o quadro da invasão. Tanto que inventamos um movimento, o MSC. No mais, foi o irmão da dona do terreno que nos sugeriu o tema. Conceder direito de resposta a quem, ao MSC?", diz Manzoni.
Em enquete feita pelo TV Folha há um mês, esse tipo de brincadeira -popularmente conhecida como pegadinha- foi criticada por quase todos os 94 leitores que deram sua opinião por carta e por e-mail. Indagados sobre qual a pior pegadinha da televisão, venceram as de Sérgio Mallandro, exibidas aos sábados na CNT/Gazeta, com mais de 60% do total de votos.
Nas pegadinhas, Mallandro já usou revólveres e facas e simulou tiroteios e assaltos em locais públicos, como um ônibus e o auditório de seu programa. Além disso, muitas de suas pegadinhas acabam em briga e resvalam na escatologia, como a de um padeiro que assoa o nariz no pão e a de um rapaz que, seguindo uma moça na rua, diz ter encontrado seu absorvente, após cheirá-lo.
"Gugu já fez simulações de assalto e no "Faustão" já mostraram coisas pesadas. Mas só criticam o Sérgio Mallandro porque ele é o único entre os apresentadores que participa das pegadinhas como ator. Não temos mais feito esse tipo de pegadinha, mas recebemos muitos pedidos para repetir algumas, como a do ônibus, por exemplo", afirma Ivan Ferreira, diretor-geral da "Festa do Mallandro".
No mês passado, uma pegadinha de Mallandro causou confusão em Pirituba (região oeste de São Paulo), quando um homem contratado por R$ 100 pela produção do programa subiu em uma placa de sinalização da marginal Tietê. O Corpo de Bombeiros foi acionado por pessoas que pensavam que o rapaz estava tentando se suicidar.
"Esse tipo de brincadeira caracteriza desvio de aparato público. Enquanto atende a uma pegadinha, uma viatura deixa de auxiliar uma pessoa em situação real de perigo. Nunca participamos disso, apesar de esses programas já nos terem pedido, por exemplo, para ajudar a "pegar" um cantor forjando um flagrante de apreensão de drogas no seu carro", conta Edson de Jesus Sardano, subchefe da área de comunicação social da Polícia Militar de São Paulo.
Mas o mau gosto não se resume à CNT/Gazeta. A Record também exibe algumas pegadinhas que mais constrangem que divertem, como a de um deficiente físico que atravessa a rua no sinal verde. Quando chega à outra calçada, após "atrapalhar" o trânsito, larga suas muletas e sai andando perfeitamente, provocando a ira dos motoristas.
"Quando há um acidente de carro, por exemplo, o povo pára para ver, é sempre assim. É a mesma coisa com as pegadinhas, elas prendem a atenção do espectador", diz Claudemir Fernandes, produtor das pegadinhas da Record.
Para o psiquiatra e analista Alvaro Ancona de Faria, a explicação vai um pouco além: "Há uma curiosidade mórbida, sim, que instiga o público a ver algo tão constrangedor na TV. Mas existe outro fator: enquanto está assistindo alguém ser enganado, o telespectador passa a ser o "esperto", aquele que vê o outro se dar mal. Ele não é mais o "pato", coisa que estamos tão costumados a ser nestes tempos tão difíceis".

Pegadinhas 'leves'
Criadas nos anos 50, tendo como um de seus pioneiros o americano "Candid Camera", as pegadinhas nem sempre são doentias. Muitas conseguem unir diversão, leveza e simplicidade.
Um exemplo é uma pegadinha apresentada recentemente no programa "Te Vi na TV", da Rede TV!. Nela, um pseudocriador de peixes expunha em uma feira um aquário com "peixes raros, difíceis de serem vistos". Na verdade, o aquário estava vazio, mas muita gente "enxergou" os animais imaginários.
"Tem de ter critério quando se brinca com alguém. Não se pode constranger ou humilhar. Se você conseguir isso, tem uma boa pegadinha", explica Oscar Pardini, que, após trabalhar no "Topa Tudo por Dinheiro" (SBT), hoje é ator e diretor das pegadinhas do "Faustão".



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