São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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Edson na Vila das Maravilhas



TERRA ENCANTADA

A Vila Madalena que só a Globo vê
Bel Pedrosa/Folha Imagem
Favela localizada no bairro da Vila Madalena, em São Paulo



Na nova novela das sete, bairro paulistano ganha status de "Village brasileiro", mas, fora da TV, tem sérios problemas de trânsito, barulho e criminalidade

ALEXANDRE MARON
DA SUCURSAL DO RIO


ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL



A REDE Globo lança amanhã, às 19h, mais uma tentativa de seduzir o público paulistano: a novela "Vila Madalena", escrita por Walther Negrão e dirigida por Jorge Fernando. Mas, a julgar pela forma como a emissora descreve o bairro da cidade retratado na trama, é uma Vila Madalena que só a Globo vê.
Segundo Negrão, que mora na Vila, o bairro paulistano é uma versão de locais famosos como o Village e o Soho, em Nova York, e Montmartre, em Paris.
"É o meu bairro, moro lá há oito anos. É um lugar humano da metrópole, no qual você cruza com artistas de várias áreas. As pessoas têm uma intensa vida social e cultural", afirma o autor, que pretende mostrar "o lado gostoso dessa região de São Paulo". "As notícias negativas, eu deixo para os jornais. Chega de vodu! Não vou grifar coisa ruim, a novela não vai ter mendigo, essas coisas."
Mas a Vila Madalena da vida real está longe de se parecer com algum desses bairros internacionais ou com a terra dos sonhos de Negrão. Lugar tranquilo e residencial no passado, hoje ela está infestado de bares, lojas, trânsito e crimes.
Segundo o 14º Distrito Policial, onde são registradas as ocorrências policiais do bairro, em média, são notificados oito roubos e furtos de carros todos os finais de semana. Por dia, são registrados dez furtos e cinco roubos. Esse DP, segundo a Polícia Civil, está entre as quatro delegacias da região oeste da cidade campeãs em registros de roubo e furto de carro. De acordo com a polícia, apesar de este ano esses crimes estarem diminuindo na região, aumentaram a apreensão e o uso de entorpecentes, em relação a 98.
Morador da Vila Madalena desde 1959, o comerciante aposentado Eduardo Farah diz que seu bairro já não é mais o mesmo desde o fim dos anos 80, quando a vizinhança passou a ser substituída por bares e casas noturnas. "O bairro se descaracterizou totalmente, os vizinhos não aguentaram e se mudaram. Não consigo ter paz e só não saio daqui porque não quero que minha casa vire um bar." Para protestar contra esses transtornos, ele colocou uma placa na porta que diz: "Pitta, Covas e FHC: os moradores desta casa querem poder dormir!".
Para Iracema Miranda, que vive no bairro há 19 anos, "a época da Vila Madalena já passou": "Agora só tem prédio, barulho, sujeira. Se a novela for mostrar um paraíso, estará mentindo...".
Como arquiteto que trabalha na região, Marcelo Ferraz, diretor do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, acredita que o grande volume de construções no local "vai deixar a Vila Madalena cada vez mais sufocada". "Os aluguéis ficaram muito caros, e as ruas viraram ponto de passagem do tráfego de veículos. À noite, o bairro se transforma, com bares e boates que atraem as drogas e a polícia. Mas ainda é um lugar bastante agradável."
Dono do restaurante Pitanga, na rua Original, o publicitário Peninha concorda com Ferraz: "A Vila Madalena é cheia de charme, mas cresceu, acompanhando o próprio crescimento de São Paulo. Aumentaram a violência e a insegurança, por causa de tantos carros que vêm para cá à procura de diversão". Com a estréia da novela da Globo, Peninha afirma que está preocupado: "Claro que propaganda é sempre bom, mas a novela pode atrair mais gente ainda e piorar a situação, mudando ainda mais o perfil de quem frequenta a região".
Talvez a razão para tanta discrepância entre ficção e realidade seja a intenção declarada de Walther Negrão de fazer uma comédia romântica em ritmo de folhetim, e não "narrar a história do bairro". "Toda essa novela é composta de um casal querendo ir para a cama e todo mundo querendo evitar que eles consigam isso", brinca.
Seguindo essa lógica, a história começa com Solano (Edson Celulari) comemorando o primeiro trabalho em seis meses, um "bico" como caminhoneiro. Para completar a felicidade, sua namorada, Eugênia (Maitê Proença), revela que está grávida.
Os dois decidem se casar, mas o tal bico acaba envolvendo Solano num crime de contrabando, e ele é condenado a 17 anos de prisão. Desolado, pede a Eugênia que se afaste dele.
Ao mesmo tempo, Roberto (Marcos Winter) e Pilar (Cristiana Oliveira) estão noivos e felizes. Mas Roberto, num ataque de ciúmes, se envolve em uma briga e acaba causando, sem querer, a morte de um homem. Vai preso também.
Roberto e Solano se tornam amigos na prisão. Sete anos depois, Solano é solto e leva uma carta do amigo para Pilar. Só que, em vez de entregar a mensagem, se apaixona pela moça e forma um triângulo amoroso com Eugênia, que, mesmo casada, nunca o esqueceu.
"No início, a Eugênia fica hesitante. Trocar um marido rico e carinhoso por um ex-presidiário duro? Mas, no capítulo 13, já está fazendo juras de amor para o Solano. Mas é claro que não vai ser tão fácil assim", conta Maitê Proença.
Ao redor dos protagonistas, para tentar trazer para a trama a arte e os agitos que Negrão vê na vila, o autor criou personagens como a artista plástica Bibiana (Yoná Magalhães), o saxofonista Hugo (Thierry Figueira) e Menezes (Ary Fontoura), ex-dono de um cinema tradicional do bairro, o Fiametta. "Eles são uma forma de ligar a trama do folhetim ao bairro e a suas características mais interessantes", diz Negrão.


Colaborou Andréa de Lima, da Reportagem Local

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