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CRÍTICA
'Fantasia' careta da ex-sem-terra
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Não foi a entrevista de
Collor a principal notícia
da revista "IstoÉ" que
circulou esta semana. Ele
continua o playboy de
sempre: barbarizou com
a filha de Lula para vencer a eleição em 89; volta
a barbarizar agora com o
sobrinho morto de Itamar para voltar à política.
A grande "notícia" da
revista está nas páginas
84 e 85, estampada num
anúncio da Duloren. Nele, a ex-sem-terra Débora
Cristina Rodrigues (curioso como a identidade
de alguém possa ser definida por meio de dois
prefixos que denotam ausência) aparece vestindo
calcinha e sutiã. Tem o pé
esquerdo sobre um banquinho (desses usados
para ordenhar vacas) e
derrama um balde de leite sobre sua coxa em evidência. Ao fundo, uma
paisagem campestre onde aparecem várias vaquinhas malhadas, duas
das quais estão copulando (cópula obviamente
obtida por um truque
malfeito de montagem).
Completa a cena uma
mensagem escrita à mão,
em letras de forma, onde
se lê: "Aprendi a gostar
de leitinho na fazenda
dos meus primos". O
censo de humor dos publicitários é espantoso.
Quem serão os primos de
Débora? Os sem-terra? As
vaquinhas? Em jargão
publicitário esse tipo de
cafajestada é conhecido
por "polissemia".
Débora Cristina vai seguindo os passos de suas
antecessoras. Saiu do
anonimato para as páginas de "Playboy" e agora
salta dessas para os programas "infantis" da TV.
No meio do caminho, vai
se submetendo a papéis
atrozes, como o da propaganda em questão, que
funcionam como trampolim para que seja finalmente aceita no círculo
dos eleitos. Logo estará
pronta para posar ao lado
de um desses representantes da "sociedade"
que circulam entre festas
"beneficentes" e colunas
sociais.
Esta semana Débora
Cristina estreou no SBT
fazendo um sucesso estrondoso com o vespertino "Fantasia". O programa é obviamente uma
tentativa de neutralizar o
concorrente da Globo,
"Malhação". Neste, jovens de classe média carioca protagonizam dramas musculares e existenciais dentro de uma
academia de ginástica.
Vidas inteiras são consumidas em ritmo aeróbico
dentro do templo sagrado da nossa época. Sem
contrariar esse preceito
básico de que as pessoas
valem quanto pesam, o
canal de Silvio Santos o
mistura com outros ingredientes populares.
O apelo erótico e o ideal
norte-americano da felicidade física, presentes
em "Malhação", ficam
no SBT por conta de 50
modelinhos que, trajando vestidinhos coloridos
bem curtinhos, dançam e
sorriem compulsivamente sem dar trégua ao espectador. Mas, como estão no SBT e não são ainda atrizes emergentes da
Globo em busca de uma
ponta na próxima novela,
as modelinhos de "Fantasia" podem atuar também como clones das
chacretes. Elas têm, por
assim dizer, um pé na
malhação e outro nos
programas de auditório.
A fórmula se completa
com jogos imbecis e farta
distribuição de prêmios
em dinheiro, também recursos dos programas de
auditório que hoje estão
consagrados em toda a
programação.
A ex-musa dos sem-terra agora é mais um instrumento do machismo
mercantil e americanizado da nossa época. Todo
o discurso feminista que
consumiu gerações durante décadas se desmancha diante da TV, que vai
enfileirando as suas barbies brejeiras.
Por uma coincidência,
na última quarta-feira,
momentos antes de
"Fantasia" ir ao ar, Caetano Veloso participava,
no mesmo SBT, do "Programa Livre", de Serginho Groisman. Comentando o espírito dos dias
que correm, Caetano disse que a liberação dos
anos 60 resultou no seu
contrário. Disse ele:
"Perdemos os bons modos e ficamos com os preconceitos". Batata.
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