São Paulo, domingo, 8 de março de 1998

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Coisa de gente grande

Divulgação
Cena do desenho "Simpsons", exibido aos domingos pela Fox


ELAINE GUERINI
da Reportagem Local

Eles têm apenas oito anos, mas, em termos de crueldade e perversão, fazem a dupla Beavis e Butt-Head parecer coroinhas bem-comportados. Os protagonistas de "South Park", o mais novo fenômeno da animação dos EUA, caem nas graças do público com atitudes nada politicamente corretas como vomitar na cara de meninas, cruzar um elefante com um porco ou assistir apaticamente a morte de um amigo.
Apresentado no canal pago norte-americano Comedy Central, o cartoon já tem exibição garantida no Brasil pelo Multishow (Net, Multicanal e Sky). Sua chegada, prevista para maio, promete reforçar o segmento de desenhos adultos, que atualmente oferece, somando títulos da TV paga e aberta, pelo menos oito opções.
A maioria desses cartoons recorre ao escracho, à violência ou à crítica social para divertir o público mais crescidinho. "South Park", que neste mês é o tema de capa de revistas como "Rolling Stone" e "Spin", vai mais longe, chegando a promover no piloto da série um duelo entre Jesus Cristo e Papai Noel, que resulta na morte de uma criança.
"O que mais me chocou foi a forma banal com que os autores do desenho matam o mesmo personagem em todos os episódios", diz Jussara Falek Brauer, psicanalista e professora de psicologia da USP, que, a pedido do TV Folha, analisou o desenho.
O personagem a que ela se refere é Kenny, que sempre morre no final das histórias -seja esmagado por um rebanho, devorado por perus mutantes ou empalado com o mastro de uma bandeira.
Situações como essas têm garantido ao desenho excelentes índices de audiência no ranking de TV paga nos EUA. No mês passado, a série atingiu cerca de 6 milhões de telespectadores por episódio, segundo dados do instituto Nielsen Media Research.
Na opinião da antropóloga Alba Zaluar, a propensão do norte-americano à violência explica o sucesso do cartoon. "Como a cultura deles força a classe mais baixa a se impor nas ruas, muito mais do que no Brasil, eles acabam com uma inclinação maior."
Wilson Cunha, 56, diretor do Multishow, considera a maldade dos garotos de "South Park" deliciosa. "Não é uma visão cor-de-rosa da infância. É muito mais estimulante." Ele adianta que o cartoon será exibido aos sábados à meia-noite. "Embora nosso universo de assinantes seja essencialmente adulto, vamos tomar esse cuidado com o horário para evitar que crianças sejam expostas ao desenho."
A grade do canal oferece atualmente dois títulos "proibido para menores": "A Família Grunt" e "Dr. Katz". O primeiro mostra as aventuras de seis irmãos asquerosos que, após anos de reclusão em um castelo, são libertados e passam a atacar as pessoas.
Em "Dr. Katz", o protagonista é um psicanalista que apresenta tantos distúrbios emocionais quanto os seus pacientes. "As histórias pegam pesado demais, fazendo humor em cima de problemas sérios", comenta Silvia Grunauer Scuracchio, 39, pedagoga e psicóloga -com tese de mestrado na USP sobre a influência da TV sobre a criança e o adolescente.
Os fãs de desenhos pouco recomendáveis ao público infantil também se divertem com o escracho da dupla Beavis e Butt-Head, personagens asquerosos da MTV que não poupam peidos e palavrões. "As histórias são muito engraçadas, e as reclamações sobre seu conteúdo escroto não passam de excesso de zelo", diz o cartunista Laerte, 46.
Dos que se dedicam à critica social, o título mais popular entre os cartoons para adultos é "Os Simpsons". As ácidas tiradas de Homer, Margie, Bart e Lisa satirizam com competência o tão discutido jeito de ser norte-americano.
"A grande sacada é que qualquer pessoa consegue se identificar com algum dos personagens. A abordagem é local, mas, ao mesmo tempo, universal", destaca Cao Hamburguer, 35, diretor de TV e cinema.
Segundo Mary Ann Halford, vice-presidente do canal Fox para a América Latina, "Os Simpsons" é um dos poucos desenhos adultos que também consegue agradar as crianças. "É um desses fenômenos que não têm explicação".
Mas, mesmo que prefira opções mais ousadas no mundo da animação, o público adulto não deixa de assistir aos tradicionais títulos infantis.
Uma pesquisa realizada pelo Cartoon Network no ano passado revelou que 48% dos entrevistados que disseram sintonizar o canal tinham entre 18 e 34 anos. No levantamento, feito em 19 países (incluindo o Brasil), 28% dos que afirmaram acompanhar a programação tinham entre 12 e 17 anos. Pessoas entre 35 e 49 anos representaram 19%, e os 6% restantes corresponderam ao grupo entre 50 e 64 anos.
"Desenho é como sorvete. O adulto pode diminuir a dose ou mesmo experimentar sabores diferentes, mas nunca deixa de gostar. O fascínio é o mesmo", comenta Tadeu Jungle, diretor de filmes publicitários.



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