São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1998

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CRÍTICA

Emissoras impõem "pacote" aos seus telespectadores THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

João é aposentado e adora futebol. Não consegue dormir no domingo à noite sem ver os gols da rodada, para comentar no dia seguinte com os amigos. Antigamente, ele acompanhava "Os Gols do Fantástico", que tinha hora certa para entrar no ar. Era seu ritual semanal. Hoje, ele resmunga por ter de suportar os blocos finais do "Domingão do Faustão" esperando o Galvão Bueno e os gols do dia. Ele odeia o Faustão e qualquer programa de auditório, mas a paixão pela bola impõe o sacrifício. Afinal, a Globo exibe os gols mais cedo do que as outras emissoras. Neusa é a mulher de João. Só perde um programa da Hebe se estiver doente ou viajando. São anos e anos de devoção à apresentadora. Ela adora ver os atores, os cantores, o padre Marcelo e todos os convidados. Bem, quase todos. Muitas vezes Neusa fica aborrecida com aqueles moços que visitam a Hebe regularmente, os pilotos brasileiros da Fórmula Mundial. Não entende o que eles dizem. Ela não liga para essas corridas, que só servem para atrapalhar o programa do Gugu no domingo. João já explicou para ela que os pilotos aparecem para divulgar as corridas, pelas quais o SBT pagou caro para transmitir. Neusa não consegue se conformar. Soninha, filha do João e da Neusa, está prestando vestibular. Por isso ela acompanha os telejornais, para se dar bem nas provas de atualidades. Agora, por mais que ela estude, não entende a razão de um telejornal da Globo convidar o Luciano Szafir para comentar o problema das enchentes na cidade de São Paulo. Pelo jeito, ver televisão é uma tarefa que está exigindo sacrifícios desse hipotético núcleo familiar. A razão? Uma espécie de sincretismo que está transformando a programação de cada emissora num amálgama irritante. Parece que as cúpulas de Globo, SBT e Record decretaram o fim do telespectador seletivo, aquele que deseja ligar a TV em certos horários e ver os programas que gosta, sem surpresas desagradáveis. Para as emissoras, o coitado diante do aparelho é um ser desprovido de critérios, capaz de engolir qualquer coisa que seja programada na grade do seu canal favorito. Ou seja, o espectador dos sonhos das redes é um avestruz que passou por uma lobotomia. Azar de quem gosta de acompanhar, por exemplo, as transmissões de futebol pelo SBT. Seja pelas piadas "rústicas" do Silvio Luiz ou pela experiência do Orlando Duarte, tanto faz. Será que esse espectador já parou para pensar que, numa próxima Copa, há grande chance de ele encarar a falácia e a boçalidade do Ratinho, um potencial "convidado especial" de qualquer grande evento com cobertura do SBT. Em tempos de pacote, as emissoras querem impor um kit completo ao consumidor: novelas, telejornais, programas de variedades, transmissões esportivas, talk-shows, tudo é uma coisa só, um monolito de cultura inútil. Quem passa pelo pior são os fãs de esportes. Ter de aturar as opiniões de uma atriz global sobre o jogo do Corinthians com o Vasco é um martírio insensato. Nessa estratégia, a qualidade da programação vai lá para baixo. O que será mais constrangedor? Um ator convidado a opinar sobre um esporte, às vezes desconhecendo até suas regras básicas? Ou um piloto de Indy todo desajeitado fazendo uma ponta no humorístico "A Praça É Nossa"? E não é só o espectador que sofre. Artista está fazendo jornada dupla de trabalho. O pobre Edson Celulari não sai mais da Globo. Grava umas 12 horas de novela por dia, faz sapateado no "Video Show", aparece no "Faustão" três domingos por mês, dá uma força para o "Criança Esperança" e ainda aparece no "Show do Intervalo" desafiando o espectador com uma pergunta estapafúrdia sobre o Campeonato Brasileiro. É mole? Não é difícil constatar que a TV paga cresce sem parar. É a aposta na programação dirigida. Esportes? ESPN. Enlatados? Sony. É uma maneira de jogar limpo com o espectador. Que tal o ator ficar na novela e o comentarista na cabine do estádio? Que tal Faustão, Ratinho e Ana Maria Braga pararem de fazer sala para o cast de suas emissoras e adotarem pautas de verdade em seus programas? É pedir muito?


O colunista Fernando de Barros e Silva está em férias



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