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CRÍTICA
Era FHC já tem sua 'pedagogia do oprimido'
FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha
O "Manhattan Connection"
aparentemente resistiu à morte
de Paulo Francis. No seu lugar, o
programa do canal de TV paga
GNT, que vai ao ar nos domingos, às 22h, com várias reprises
durante a semana, agora recebe
um convidado por vez, que compõe a mesa de debates ao lado
dos jornalistas Lucas Mendes,
Caio Blinder e Nelson Motta.
A saída foi hábil, embora Francis, para voltar ao lugar-comum,
seja mesmo insubstituível. Menos por sua suposta genialidade
e mais porque emprestava ao
programa um tal escracho, uma
tal selvageria retórica, que todos
os assuntos "sérios" iam sendo
triturados por uma espécie de cinismo sem tréguas, até que tudo
sucumbisse a uma espécie de ridículo que isentava ele próprio,
Francis, do ridículo de estar ali,
sentado num estúdio ao lado de
mais três marmanjos, fingindo
se preocupar com os "fatos do
mundo".
Na época de Francis, ligávamos
a TV num ato de sadomasoquismo, para rirmos de nós mesmos,
das nossas atrocidades que víamos ali tão bem expressas por
meio da sua fala solta, às vezes
inteligente, às vezes simplesmente suja e abjeta. Essa auto-ironia o "Manhattan" perdeu.
Perto das tiradas de Francis, as
gracinhas de Nelson Motta parecem uma excursão mirim à Disneylândia, são apenas tolas.
O novo "Manhattan", ao contrário de Francis, se leva a sério,
pretende ser um resumo cosmopolita dos "acontecimentos".
Mas o principal problema do
programa talvez seja o seguinte:
a sua pauta é de esquerda, mas a
condução da discussão vai sempre no sentido de desqualificá-la.
É nesse descompasso entre o
que anuncia e o que realiza que
reside o segredo e o charme do
programa, o que o torna tão irresistível e atual para o público VIP
e "descolado" brasileiro. Afinal,
não poderia haver na TV uma
tradução mais fiel do modo de
vida tucano a que estamos hoje
todos submetidos.
O "Manhattan" traduz a seu
modo a questão mais geral do
engajamento intelectual no Brasil, que se coloca hoje mais ou
menos nos seguintes termos: ou
se é fernandista ou, então, burro
e atrasado. Não se trata, obviamente, de escolher entre uma
coisa e outra, mas de entender
porque essa equação se tornou
uma unanimidade.
Nada mais justo -e sintomático- que o convidado da última
semana tenha sido o cineasta e
jornalista Arnaldo Jabor. Afinal é
ele, mais do que qualquer outro
intelectual do círculo íntimo do
presidente, o ideólogo popular
da era FHC, o representante da
"nova esquerda", realista, pragmática, sofisticada, atenta -como eles dizem- às ambiguidades da nova ordem mundial, que
não comporta mais o preto no
branco, os golpes de foice e martelo da velha esquerda burra,
dogmática, messiânica, populista, que, presa a uma utopia regressiva, acaba fazendo o jogo da
direita (mas qual?).
Não é por acaso que a maioria
dos adjetivos do parágrafo acima
foram citados por Jabor quando
discorria sobre os sem-terra.
Mas poderia ser qualquer outro
tema, desde o lesbianismo na TV
norte-americana até o recente
filme baseado no livro de Fernando Gabeira.
Tudo no programa assume
ares razoáveis, sensatos, pós-utópicos, como se ainda fosse preciso parecer ser de esquerda para
poder deixar de sê-lo sem culpa.
O novo "Manhattan" é uma
verdadeira "pedagogia do oprimido" da era FHC. Parafraseando uma citação de Jabor, "é preciso ter cuidado com os intelectuais; às vezes eles conseguem o
que querem".
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