São Paulo, domingo, 11 de outubro de 1998

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Atuando em filmes, programas de TV, novelas, shows e até gravando CDs, crianças faturam alto desde cedo e trabalham como se fossem adultas
Pequenas empresas, grandes negócios

Ciete Silvério/Folha Imagem
A apresentadora, cantora e atriz Debby, 7, que lança em breve seu 1º CD


RUI DANTAS
da Reportagem Local

Estrelas do showbiz brasileiro, as crianças têm atuado cada vez mais como adultos. Apresentando programas, gravando novelas, cantando ou dançando, os "garotos prodígios" se ocupam com tarefas apropriadas para pessoas maduras e, em muitos casos, tomam o papel de chefe da família, ao contribuir no orçamento familiar.
Na busca da fama, do sucesso e também do dinheiro, pais e mães impõem, por vezes, um ritmo de trabalho estressante a seus filhos. As crianças, assim, têm de suportar horas em filas de teste, ensaios e gravações que podem se estender até a madrugada.
Para o teste da primeira fase da novela "Chiquititas", por exemplo, cerca de 3.000 crianças concorreram às vagas para atuar no orfanato da trama.
Renata Dal Bianco, que na novela interpretava o papel de Vivi, passou por vários dias de teste até ser definitivamente aprovada. Sua mãe, Roseli, conta que levou sua filha à sede do SBT durante cinco dias seguidos, na fase final, e as crianças-concorrentes passavam horas esperando pelo teste.
"Foi uma loucura. As crianças perderam escola e passaram o dia inteiro trancadas em um estúdio", lembra Roseli.
Aprovada, Roseli e Renata se mudaram para Buenos Aires, onde "Chiquititas" é gravada. Renata saiu de sua escola, em São Paulo, e conseguiu transferência para um colégio portenho. Na Argentina, que tem um programa de anos letivos diferente, Renata teve dificuldades de adaptação no início.
Em junho deste ano, a garota foi demitida pela Telefe, a emissora que produz a novela, pois parte do elenco foi renovado. Renata voltou a São Paulo e novamente precisou se readaptar à escola. "Estamos tendo de pagar um professor particular para ela", reclama Roseli.
Como cachê, Renata ganhava cerca de R$ 1.200 mensais, além de uma ajuda de custo de mais R$ 3.000. A mãe da ex-chiquitita afirma que, ainda que pareça um rendimento no mínimo razoável, o valor era insuficiente.
"Só dava para pagar as ligações internacionais. Meu marido e mais dois filhos ficaram em São Paulo, era natural que conversássemos bastante. E, na Argentina, tudo é mais caro do que no Brasil."
Após sua saída do elenco da novela, Renata e outros dez ex-chiquititos montaram um conjunto musical -As Crianças Mais Amadas do Brasil- que se apresenta por todo o país.
O empresário do grupo, Paulo Ricardo da Cunha, 49, anuncia que, em breve, As Crianças Mais Amadas vão lançar um CD e podem assinar um contrato para um programa de TV.

Debby
A apresentadora infantil Debby Lagranha, 7, é outro exemplo de criança atarefada. Debby comandava o "Clube da Criança", na Manchete, temporariamente suspenso em virtude dos problemas financeiros que a emissora vem enfrentando.
Além do programa, a garotinha se prepara para o lançamento de um CD, já em fase de finalização, empresta seu nome para inúmeros produtos infantis e gravou um filme com Renato Aragão - "Simão, o Fantasma Trapalhão".
Para gravar o filme, Debby se afastou durante 35 dias da escola.
Ela poderá ser a protagonista da novela "A Queridinha", também na Manchete, se a novela sair do papel, e é a estrela de mais de 50 anúncios de televisão e de mídia impressa. Sua carreira começou quando tinha apenas 1 ano.
Sua mãe, Therese Lagranha, afirma ter preocupação em não a forçar a fazer nada contra a vontade. "Para tudo que ela é convidada, perguntamos se ela quer fazer. Não a obrigamos a nada", diz.
Para que não perdesse ainda mais aulas, Therese afirma que reduziu a quantidade de anúncios, pedindo cachês mais altos para filha. Isso diminuiu o volume de trabalho da garotinha, que passou de três para um anúncio ao mês, em média.
"Reduzimos o número de comerciais que ela participa para um ao mês, no máximo. Demos uma ponderada, pois, senão, seria muito estressante", admite Therese.
O salário de Debby e os cachês que ela recebe não foram revelados pela família. Therese afirma apenas que o dinheiro é o suficiente para que a menina tenha algumas regalias, como viajar à Disney, nos EUA, e visitar as amigas da novela "Chiquititas", na Argentina.
"E também pude comprar um celular para mim e um carro para meus outros filhos."

Efeitos psicológicos
O excesso de trabalho e a falta de tempo para fazer coisas banais, como brincar, podem acarretar à criança problemas posteriores. O mesmo acontece quando a carreira acaba precocemente, e a criança deixa de fazer sucesso, frustrando-se.
"O fascínio pelo sucesso pode forçar a criança a ter um comportamento adulto antes do tempo, assumindo funções para as quais elas não estão preparadas, o que pode gerar entraves no seu desenvolvimento afetivo-emocional", analisa a professora Ivonise Catafesta, 45, professora do Instituto de Psicologia da USP.



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