São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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CRÍTICA

Os radialistas estão chegando

EUGÊNIO BUCCI

SE ISSO fosse um filme, deveria ser visto ao som de Jorge Benjor entoando "os alquimistas estão chegando". Sem esquecer aquele ô-ô-ô-ô ao fim do refrão. Aquele ô-ô-ô-ô reafirma que os alquimistas estão chegando mesmo, indica que tudo o que a gente achava que já tinha acabado não acabou, ô-ô-ô-ô, e não cessa de recomeçar. Se isso fosse um filme poderia muito bem se chamar "A Volta dos que Não Foram". Os radialistas, eles que foram o útero dos programas de TV, os radialistas do auditório, os radialistas da radionovela e os radialistas dos programas policiais, eles estão de volta, exatamente porque nunca se foram.
Veja-se o caso de José Luis Datena. Ele acaba de se mudar da Rede Record para a Rede TV (que leva ponto de exclamação, assim: Rede TV!) com um sucesso estupendo. Datena é antes de tudo um radialista. Dos bons. No dia de estréia de seu "Repórter Cidadão" na Rede TV! (!), na segunda passada, já bateu o seu substituto na Record, Ney Gonçalves Dias, que agora apresenta o "Cidade Alerta". No segundo dia, terça-feira, Datena deu à sua nova casa (!) uma audiência média de dez pontos no Ibope em São Paulo (!), com picos de 12 (!), ficando por cerca de uma hora com a segunda maior audiência do horário (!), perdendo apenas para a Globo (!). De onde vem a força de Datena? Não vem das reportagens de rua (!), nem da variedade de pautas (!), nem das tomadas aéreas (!) de helicóptero (!). Claro, tudo isso ajuda, mas o essencial é a capacidade oratória que ele esbanja, o talento de segurar um assunto no ar com a fala fluente, peremptória e enfática de um radialista policial de primeira grandeza. As tomadas de helicóptero, aliás, viraram objeto de uma disputa subterrânea entre a Record e a Rede TV!. Na segunda-feira, o "Repórter Cidadão", de Datena, tinha suas câmeras aéreas a cargo do já célebre comandante Hamilton, uma espécie de "heliboy" do sensacionalismo. Na terça, um susto: o comandante Hamilton surpreendeu a audiência ao se mudar de mala, cuia e helicóptero, abruptamente, para a Rede Record! (Aqui até Record merece ponto de exclamação.) O comandante Hamilton fez o caminho inverso de Datena. Mas não levou o ibope.
Mais do que qualquer outro tipo de programa, esses que começam a virar uma praga nos finais de tarde, como "Cidade Alerta", "Brasil Urgente", de Roberto Cabrini, na Bandeirantes, e agora o "Repórter Cidadão", são programas radiofônicos ilustrados. A propósito, Cabrini não consegue emplacar porque não empolga como orador. Nesse quesito, Ney Gonçalves Dias é muito mais convincente.
É verdade que as novelas, até hoje, podem ser vistas apenas pelos ouvidos, ou seja, você consegue entender toda a trama sem ter de olhar as imagens (a telenovela, em grande medida, jamais se libertou inteiramente da radionovela), mas a maior presença do rádio na alma da TV não se manifesta nas telenovelas: ela pode ser sentida de modo mais marcado nos programas sensacionalistas. Não era à toa que Gil Gomes roubava a cena no velho "Aqui Agora". No gênero da histeria policialesca dos fins de tarde, a coisa se resolve mesmo é no gogó.
Pois o telegogó voltou a crescer e se multiplicar. O que Datena apresenta agora na Rede TV! (!!!) não é nada mais que uma réplica do "Cidade Alerta" (!!!) que ele fazia na Record. A coisa se reproduziu. O que Cabrini tenta fazer na Bandeirantes vibra, ou tenta vibrar, no mesmo diapasão. Só quem falta aderir à nova moda das seis da tarde são a Globo e o SBT. No mais, somos uma delegacia só. A delegacia do berro. Para berrar melhor, os apresentadores ficam o tempo todo de pé. Para projetar a plenos pulmões para dentro dos ouvidos do público a sua radiofonia paranóica e exclamativa! (!) (Alguém sabe explicar por que Rede TV! tem essa exclamação aí?)



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