São Paulo, domingo, 12 de julho de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Explosão conservadora
RUI DANTAS da Reportagem Local A Globo capitulou. Após inúmeras pressões de segmentos da sociedade contra os supostos abusos da novela "Torre de Babel", a emissora decidiu "enquadrar" a trama, suavizando ou eliminando alguns dos temas polêmicos que ela continha. Os "excessos" de "Torre de Babel" desencadearam uma verdadeira cruzada em favor da moral e dos bons costumes. Setores da chamada direita da sociedade elaboraram moções de repúdio aos temas abordados na novela, como o lesbianismo, as drogas e a violência. Por outro lado, a história inicialmente derrapou no Ibope. Chegou a marcar 35 pontos, um fracasso diante dos 50 esperados. Cada ponto equivale a cerca de 80 mil telespectadores na Grande São Paulo. Com uma série de "pecadores" em sua história, a novela teve sua trama ajustada. E como os autores fizeram isso? Matando todos os "maus" na explosão do shopping, que ocorre nesta quarta-feira. Um deles é Guilherme Toledo (Marcello Antony) que, viciado, passa o dia capitalizando dinheiro para comprar drogas. O outro é Agenor da Silva (Juca de Oliveira), que mantinha relações com a própria nora e é pai de Shirley (Karina Barum), inicialmente apresentada com sua neta. Nenhum pecado, no entanto, teve tanta repercussão e gerou ataques tão veementes quanto o do casal de lésbicas da trama. Rafaela Katz (Christiane Torloni) e Leila Sampaio (Silvia Pfeifer) chocaram o público por serem mulheres bonitas, bem-sucedidas, inteligentes e manterem um relacionamento homossexual estável. A idéia do autor era mostrar que isso poderia acontecer. Os problemas, na trama, ocorreriam entre casais heterossexuais, como César e Marta (Glória Menezes) ou Henrique (Edson Celulari) e Vilma Toledo (Isadora Ribeiro). O casal homossexual era bem visto pela sociedade. Mesmo assim, gerou burburinho e protestos, como o da TFP (Tradição, Família e Propriedade) que expediu abaixo-assinados à Globo contra "Torre de Babel" (leia texto na página ao lado). A Associação das Escolas Particulares de São Paulo, que reúne colégios tradicionais do Estado, chegou a sugerir aos pais de alunos que boicotassem os patrocinadores da novela. A associação pretende promover um congresso com alunos do ensino médio para discutir os excessos e o papel da televisão. Além disso, a entidade quer constituir um fórum permanente, entre pais, educadores e alunos, para pensar a TV. "Será um fórum com uma "antena' ética", diz o presidente, Ciro de Figueiredo. As pesquisas que a Globo faz com os "folk-groups" (grupo de pessoas aleatórias que a emissora reúne para discutir suas produções) sinalizavam que as "pecadoras" eram aceitas. Mas a sinopse inicial do autor Silvio de Abreu era muito mais ousada. Na explosão do shopping, Rafaela Katz e Guilherme Toledo morreriam. Leila, desamparada, se uniria na dor com Marta, que perderia o drogado Guilherme. A admiração de Leila logo daria vez à paixão, que o autor ainda não havia decidido se seria recíproca. A idéia de ver Glória Menezes vivendo uma descasada de meia-idade lésbica foi automaticamente repelida pelos "folk groups". Para se manifestar contra a reação conservadora, os autores incluíram uma mensagem quase subliminar na despedida do casal de lésbicas. "Só pode ser este maldito preconceito!", é a última fala que Rafaela pronuncia a Leila, antes de o shopping explodir. "A Glória Menezes é um ícone da família brasileira. Muitas donas-de-casa sempre se espelharam nela desde criança", diz Júlia Katz (nome fictício em homenagem à personagem Rafaela Katz da novela). Jornalista mineira, Júlia, 23, é lésbica e vive há seis anos com outra mulher. Para protestar contra a morte de Rafaela, a jornalista montou uma home page (www.terravista.pt/ mussulo/2481/index.htm), pedindo a permanência do casal na trama. "Quando a novela passou a ter problemas de audiência, eles decidiram matar o casal, pois é sabido que é uma coisa que não tem aceitação social. Mas não acho que elas são as responsáveis pela queda de audiência", opina. O presidente do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, pensava em dar o Oscar Triângulo Rosa, premiação conferida aos defensores dos direitos dos homossexuais na mídia. "Mas, em se confirmando a morte das delas, vamos dar à Globo o Troféu Pau-de-Sebo, que conferimos aos dez maiores inimigos da causa gay", diz. Mott afirma que a sociedade até "admite o lesbianismo entre estrelas de segunda grandeza, mas a intolerância se manifesta quando envolve uma atriz de primeira grandeza." A coordenadora do Núcleo de Novelas da ECA/USP, Renata Pallottini, considera válidas as tentativas dos autores de romper as morais vigentes. Renata tenta explicar o porquê de haver reações contra tramas de novelas por parte da sociedade e cumplicidade entre outras ficções, como filmes. Procurados insistentemente pela Folha, os autores Silvio de Abreu e Alcides Nogueira não se manifestaram sobre o assunto. A direção da Rede Globo também não se pronunciou. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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