São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2000


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USINA DE SONS

"Musikaos" reativa a "Fábrica" da Cultura

Jorge Araújo/Folha Imagem
O ex-VJ da MTV Gastão Moreira


BRUNO GARCEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O POETA Glauco Mattoso recita um verso sobre "escarros de maconha", a platéia grita: "Legaliza!", Lobão faz um discurso irado contra as gravadoras brasileiras, o "maldito" Tom Zé é ovacionado pelo público. Podem ser cenas incomuns na TV aberta, mas são corriqueiras nas gravações do "Musikaos", programa semanal que a Cultura exibirá a partir do próximo sábado, às 19h.
Abertamente inspirado em "Fábrica do Som" apresentado pelo videasta Tadeu Jungle, pela mesma TV Cultura entre 82 e 84, "Musikaos" tem proposta semelhante à de seu antecessor.
O musical, apresentado por Gastão Moreira (ex-VJ da MTV), dá vez a artistas e entidades civis cujo espaço na mídia é restrito ou até inexistente. Bandas de garagem, poetas alternativos, artistas plásticos, grupos de dança étnica e representantes de ONGs estão entre as atrações regulares do "Musikaos".
"Quis vender a idéia do programa na Record e na Band, mas nas emissoras comerciais não há espaço para essa nossa postura contestatória. Na MTV, com o "UltraSom" pretendia fazer algo parecido, mas partiram para uma competição entre bandas. Não era exatamente o que eu tinha em mente", afirma Gastão.
Segundo Rogério Brandão, diretor de programação da Cultura, o "Musikaos" visa reaproximar a emissora do público jovem. "Ultimamente, nos concentramos em programas infantis e jornalísticos. Queremos achar o elo que perdemos com o fim da "Fábrica do Som", mas é uma referência, não um remake."
O diretor do "Musikaos", Pedro Vieira, que, por sinal, também era o responsável pelo "Fábrica do Som" confirma as semelhanças, mas diz que o contexto é outro. "Ainda tenho uma ligação forte com o "Fábrica", mas naquela época sofríamos com outros tipos de repressão, a do governo. Atualmente, a ditadura é feita pelo capital e a indústria fonográfica. Além disso, a linguagem é outra, com cortes nervosos", afirma Vieira.
Assim como o "Fábrica do Som", "Musikaos" também é gravado no Sesc Pompéia (de São Paulo), mas não mais na choperia, como a atração anterior, e sim no teatro do centro cultural.
O despojamento de "Fábrica" deu vez a cenários que lembram um filme de ficção-científica. O palco em que é gravado o programa é preenchido com estruturas como "O Oratório do Kaos", uma peça de acrílico coberta com transparências impressas com imagens de Jesus Cristo, Luiz Gonzaga, Noel Rosa, John Lennon, e um Saci Pererê.
A autora do cenário, Luciene Grecco, diz ter buscado "uma estética underground e caótica" fiel à atmosfera do "Musikaos". Luciene pôde conferir de perto sua obra, pois participou da gravação do programa na terça passada com o Thaketededrum, grupo de percussão afro-brasileira que íntegra.
Além das atrações artísticas, "Musikaos" exibirá, em cada edição, disputas travadas entre oradores de duas universidades. A capacidade do orador é avaliado por um júri com três integrantes. O único jurado fixo é o cantor e compositor Jorge Mautner. A eles caberá ainda julgar bandas principiantes, por meio de um sistema de notas que vai de 20 a 50.
"A banda que tirar nota 20 terá um terço de sua música exibida no programa, quem tirar 30, terá a metade da música exibida, e os que obtiverem 50, a nota máxima, verão a música completa ir ao ar. É o que chamamos de "Tabela Warhol'", afirma Gastão.
O produtor musical do "Musikaos" é Clemente, vocalista dos Inocentes, banda pioneira do punk brasileiro. "O programa tem caos no nome e fala do final de século. O responsável pela parte musical tinha de ser um punk das antigas", diz Gastão. De acordo com Clemente, a intenção será privilegiar artistas em começo de carreira e músicos que não são presença habitual nas FMs.
"Isso não significa que iremos vetar a vinda de nomes mais pops. Às vezes, um grupo consagrado serve como gancho para chamarmos um grupo desconhecido. Se convidamos uma banda punk de Sorocaba (SP), como o Jack Navarro, trazemos também o Ira!", diz Clemente, referindo-se às atrações que gravaram participação na última terça.
O programa que irá ao ar no próximo sábado trará como convidados o sambista Germano Matias, o grupo pernambucano Sheik Tosado, os cantores Lobão e Tom Zé, além de grupos que ainda dão seus primeiros passos, como os Canalhas Ordinários. Outros que já gravaram participações são Pato Fu, Otto, Marcelo Nova e Wander Wildner.
Segundo Rogério Brandão, a Cultura pretende realizar gravações itinerantes do "Musikaos" uma vez por mês. "É uma forma de levar a produção para outras praças, como Rio, Salvador, Recife e Fortaleza. Nessas edições, traríamos apenas artistas do local."

A inspiração
Segundo Tadeu Jungle, tanto "Fábrica" quanto "Musikaos" cumprem papel que não é exercido por outros canais. "A TV aberta subestima o público sempre. É aquela coisa de não mexer em time que está ganhando. Uns apostam em bundas, outros no politicamente correto."
Pela "Fábrica do Som" passaram, no início de suas trajetórias, artistas como Titãs (então chamados Titãs do Iê-Iê-Iê), Ultraje a Rigor, Lobão e os Ronaldos, Premeditando o Breque e Gang 90.


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