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USINA DE SONS
"Musikaos" reativa a "Fábrica" da Cultura
Jorge Araújo/Folha Imagem
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O ex-VJ da MTV Gastão Moreira |
BRUNO GARCEZ
DA REPORTAGEM LOCAL
O POETA Glauco Mattoso recita um
verso sobre "escarros de maconha",
a platéia grita: "Legaliza!", Lobão faz um
discurso irado contra as gravadoras brasileiras, o "maldito" Tom Zé é ovacionado pelo público. Podem ser cenas incomuns na TV aberta, mas são corriqueiras
nas gravações do "Musikaos", programa
semanal que a Cultura exibirá a partir do
próximo sábado, às 19h.
Abertamente inspirado em "Fábrica
do Som" apresentado pelo videasta Tadeu Jungle, pela mesma TV Cultura entre 82 e 84, "Musikaos" tem proposta semelhante à de seu antecessor.
O musical, apresentado por Gastão
Moreira (ex-VJ da MTV), dá vez a artistas e entidades civis cujo espaço na mídia
é restrito ou até inexistente. Bandas de
garagem, poetas alternativos, artistas
plásticos, grupos de dança étnica e representantes de ONGs estão entre as atrações regulares do "Musikaos".
"Quis vender a idéia do programa na
Record e na Band, mas nas emissoras comerciais não há espaço para essa nossa
postura contestatória. Na MTV, com o
"UltraSom" pretendia fazer algo parecido,
mas partiram para uma competição entre bandas. Não era exatamente o que eu
tinha em mente", afirma Gastão.
Segundo Rogério Brandão, diretor de
programação da Cultura, o "Musikaos"
visa reaproximar a emissora do público
jovem. "Ultimamente, nos concentramos em programas infantis e jornalísticos. Queremos achar o elo que perdemos
com o fim da "Fábrica do Som", mas é
uma referência, não um remake."
O diretor do "Musikaos", Pedro Vieira,
que, por sinal, também era o responsável
pelo "Fábrica do Som" confirma as semelhanças, mas diz que o contexto é outro. "Ainda tenho uma ligação forte com
o "Fábrica", mas naquela época sofríamos
com outros tipos de repressão, a do governo. Atualmente, a ditadura é feita pelo
capital e a indústria fonográfica. Além
disso, a linguagem é outra, com cortes
nervosos", afirma Vieira.
Assim como o "Fábrica do Som", "Musikaos" também é gravado no Sesc Pompéia (de São Paulo), mas não mais na
choperia, como a atração anterior, e sim
no teatro do centro cultural.
O despojamento de "Fábrica" deu vez a
cenários que lembram um filme de ficção-científica. O palco em que é gravado
o programa é preenchido com estruturas
como "O Oratório do Kaos", uma peça
de acrílico coberta com transparências
impressas com imagens de Jesus Cristo,
Luiz Gonzaga, Noel Rosa, John Lennon,
e um Saci Pererê.
A autora do cenário, Luciene Grecco,
diz ter buscado "uma estética underground e caótica" fiel à atmosfera do
"Musikaos". Luciene pôde conferir de
perto sua obra, pois participou da gravação do programa na terça passada com o
Thaketededrum, grupo de percussão
afro-brasileira que íntegra.
Além das atrações artísticas, "Musikaos" exibirá, em cada edição, disputas
travadas entre oradores de duas universidades. A capacidade do orador é avaliado por um júri com três integrantes. O
único jurado fixo é o cantor e compositor
Jorge Mautner. A eles caberá ainda julgar
bandas principiantes, por meio de um
sistema de notas que vai de 20 a 50.
"A banda que tirar nota 20 terá um terço de sua música exibida no programa,
quem tirar 30, terá a metade da música
exibida, e os que obtiverem 50, a nota
máxima, verão a música completa ir ao
ar. É o que chamamos de "Tabela Warhol'", afirma Gastão.
O produtor musical do "Musikaos" é
Clemente, vocalista dos Inocentes, banda pioneira do punk brasileiro. "O programa tem caos no nome e fala do final
de século. O responsável pela parte musical tinha de ser um punk das antigas",
diz Gastão. De acordo com Clemente, a
intenção será privilegiar artistas em começo de carreira e músicos que não são
presença habitual nas FMs.
"Isso não significa que iremos vetar a
vinda de nomes mais pops. Às vezes, um
grupo consagrado serve como gancho
para chamarmos um grupo desconhecido. Se convidamos uma banda punk de
Sorocaba (SP), como o Jack Navarro,
trazemos também o Ira!", diz Clemente,
referindo-se às atrações que gravaram
participação na última terça.
O programa que irá ao ar no próximo
sábado trará como convidados o sambista Germano Matias, o grupo pernambucano Sheik Tosado, os cantores Lobão
e Tom Zé, além de grupos que ainda dão
seus primeiros passos, como os Canalhas Ordinários. Outros que já gravaram
participações são Pato Fu, Otto, Marcelo
Nova e Wander Wildner.
Segundo Rogério Brandão, a Cultura
pretende realizar gravações itinerantes
do "Musikaos" uma vez por mês. "É
uma forma de levar a produção para outras praças, como Rio, Salvador, Recife e
Fortaleza. Nessas edições, traríamos
apenas artistas do local."
A inspiração
Segundo Tadeu Jungle, tanto "Fábrica"
quanto "Musikaos" cumprem papel que
não é exercido por outros canais. "A TV
aberta subestima o público sempre. É
aquela coisa de não mexer em time que
está ganhando. Uns apostam em bundas, outros no politicamente correto."
Pela "Fábrica do Som" passaram, no
início de suas trajetórias, artistas como
Titãs (então chamados Titãs do Iê-Iê-Iê),
Ultraje a Rigor, Lobão e os Ronaldos,
Premeditando o Breque e Gang 90.
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