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CRÍTICA
Crise!? Que crise!? Salvem as baleias...
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Hoje vamos fazer um
exercício: comparar as
manchetes (notícias de
destaque, anunciadas logo na abertura da edição)
de três telejornais que foram ao ar na última
quarta-feira, dia 9. Curiosamente, são três telejornais exibidos em rede
nacional, no mesmo país
e quase no mesmo horário.
O primeiro deles, o
mais famoso, é o "Jornal
Nacional", da Globo,
apresentado pelo casal
William Bonner e Fátima
Bernardes. O segundo, o
"Jornal da Record", ancorado por Boris Casoy.
O terceiro, o "Jornal da
Band", apresentado por
Paulo Henrique Amorim.
Então, às manchetes:
"Jornal Nacional":
1. Luto em Anápolis.
Vítimas do desastre na
Anhanguera são entregues às famílias. Mas a
identificação dos corpos
é difícil.
2. Resultado da perícia
em Vitória. Piloto da lancha que atropelou Lars
Grael tinha bebido, mas
ele nega.
3. O ator Gerson Brenner chora. É a emoção de
sair da UTI.
4. Defeito num brinquedo provoca morte no
parque de diversões.
5. O caminho da liberdade. Dezenove anos depois, a baleia que foi
Willy é treinada para voltar ao oceano.
"Jornal da Record":
1. Pela primeira vez em
30 dias a moeda russa sobre frente ao dólar.
2. Fernando Henrique
diz que números da ONU
mostram que o governo
se preocupa com o social.
3. Lula ataca ajuste fiscal do Planalto e diz que
apoiaria se as medidas
fossem corretas.
4. Rainha ameaça com
invasões, e general Cardoso alerta para a ação
radical do MST.
5. Estrangeiros formam
filas na Polícia Federal
para regularizar permanência no Brasil.
"Jornal da Band": 1. O
governo briga com os
bancos para estancar a
fuga de dólares. Só hoje
saíram quase US$ 2 bi do
país.
2. A maior vítima do
corte de gastos do governo é a saúde do brasileiro.
3. O piloto da lancha
que decepou Grael tinha
bebido álcool.
4. O promotor entrega
ao Congresso 36 caixas
com as informações que
podem derrubar Clinton.
As manchetes evidenciam três maneiras de fazer jornalismo. Nenhuma é neutra. A da Globo
faz lembrar os tempos
das receitas de bolo da ditadura. Num dia particularmente delicado para o
real, a emissora some
com a crise, estrangula o
espaço público e entorpece a patuléia com emoções baratas -tragédias
e curiosidades do mundo
animal. Enquanto isso,
na mesma noite de quarta-feira, o ministro Pedro
Malan dava uma longa
entrevista sobre a crise à
Globo News, o canal de
notícias da Globo na
NET. É uma troca: o governo fala ao círculo restrito dos formadores de
opinião na TV privada
(ou paga) aquilo que a
Globo o ajuda a esconder
da esfera pública.
No caso da Record, há
evidente predomínio de
assuntos de interesse coletivo, mas o viés adotado pelo jornal de Casoy é
francamente favorável ao
governo. Ali, Lula tem
espaço privilegiado, mas
FHC cuidou do social e o
MST é uma ameaça à ordem. Casoy nunca escondeu que é um liberal de
feições conservadoras,
que tem apreço pelo pluralismo e zelo pelos assuntos de relevância pública.
O "Jornal da Band" é,
de longe, o mais independente, adulto e crítico
telejornal exibido em rede no país. Destoa, para
melhor, numa época em
que o jornalismo oscila
entre o diversionismo e o
jogo de esconde-esconde. A audiência do "Jornal da Band", no entanto, é irrelevante, residual,
se comparada ao poder
de fogo da Globo.
Esse show de baleias,
macacos e tragédias da
vida privada que tomou
conta do "JN" é anterior
à campanha eleitoral, à
crise do real, e vai se estender para além delas. O
"JN" é hoje um instrumento de aprofundamento da distância entre
a Bélgica e a Índia -os
dois países que formam a
nossa Belíndia brasileira.
Ironia involuntária. Em
outubro, estréia às 18h na
Globo o remake de "Pecado Capital", novela de
Janete Clair que marcou
época em meados dos
anos 70. A música de
abertura da novela, de
Paulinho da Viola, começa assim: "Dinheiro na
mão é vendaval, é vendaval/ na vida de um sonhador, de um sonhador/
quanta gente aí se engana, e cai da cama/ com
toda a ilusão que sonhou..." .
Qualquer relação com
o mundo real é mera
coincidência.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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