São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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CRÍTICA

O teste do segundo turno

EUGÊNIO BUCCI

Amanhã recomeça o horário eleitoral gratuito. Sem prejuízo da corrida nos Estados, a disputa pela Presidência da República roubará a cena. Será, como todos dizem, uma nova eleição. Ou quase nova.
José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva farão adaptações em suas propagandas políticas. A própria lógica do segundo turno, em que dois adversários se enfrentam de modo espelhado -um e outro têm o mesmo tempo na TV, vão ao ar colados um no outro e não têm muito como fugir a uma pauta mais ou menos comum-, impõe que se façam adaptações. Nessa nova fase, o peso dos apelos sentimentais ou emocionais tende a diminuir. O slogan, o choro encenado, o refrão ensaiado de astros contratados, tudo isso permanecerá, por certo, mas apenas para fazer a manutenção do moral da tropa, ou seja, para não deixar refluir o ânimo dos eleitores já conquistados. De resto, a frase de efeito ou a imagem pungente já não bastarão. Será necessário lançar mão de alegações menos melodramáticas, mais factíveis e mais passíveis de verificação.
O raciocínio parece óbvio e banal, mas traz uma consequência nada óbvia e grave demais para ser banal. O segundo turno, que requer verificações diuturnas das premissas contidas nas alegações dos candidatos, faz crescer, e muito, a importância do jornalismo. Em especial, do telejornalismo, pois é sobretudo na TV que a campanha acontece. Mais que no primeiro turno, a capacidade do telejornalismo de investigar, de apurar e de se manter crítico e objetivo fará toda a diferença. Estará ele à altura desse desafio?
Não é um desafio corriqueiro. Em 1994 e em 1998, a disputa foi resolvida logo no primeiro turno. Somente em 1989 o telejornalismo enfrentou um teste análogo. E foi reprovado. Na ocasião, a Rede Globo, a maior rede brasileira, atuou como cabo eleitoral de Fernando Collor. Deu no que deu.
Claro que, em 2002, as coisas estão bem melhores. A começar pela conduta, ao menos até aqui, da própria Globo. Não há sinais explícitos de governismo ou de apoio a José Serra no "Jornal Nacional". Ao contrário, as opiniões aí divergem bastante. Há quem veja até um discreto aroma de lulismo no mais influente telejornal do Brasil. Enfim, não se pode afirmar categoricamente que o "JN" esteja trabalhando para o governo ou contra o governo. Ele tem se mantido relativamente equidistante.
É verdade que essa postura da Globo, até aqui, não é necessariamente um atestado de virtude. Pode muito bem ser produto de um cálculo corporativo. Até o dia 6 de outubro, era difícil saber se José Serra conseguiria chegar ao segundo turno, o que tornava o apoio ostensivo a Serra uma operação de alto risco para qualquer rede de TV. Apoiar o principal adversário daquele que poderia ser eleito presidente logo no primeiro turno não seria propriamente um bom negócio, além de ser um desvio ético incompatível com o grau de amadurecimento da democracia brasileira.
No segundo turno, porém, o quadro não é mais o mesmo. Há dois campos claramente opostos brigando pelo poder, campos em torno dos quais as forças sociais vão se aglutinar. A pressão para que os telejornais, da Globo e de outras redes, protejam o candidato do governo tende a ser mais intensa. Resistir a essa pressão será o grande teste.
A doença do governismo e do partidarismo está longe de ser varrida da TV brasileira. A toda hora ela ataca de novo. Há poucas semanas, o SBT cancelou o debate que faria com os quatro principais candidatos, ainda no primeiro turno, porque nem todos quiseram aceitar a condição sugerida pelo dono da Rede, Silvio Santos: a de que nenhum deles criticasse o governo em suas falas. A Rede Globo, de sua parte, realizou um debate franco e democrático. Como a Bandeirantes realizou. Como a Record. Que essa fórmula, que busca a independência, prospere. O êxito das eleições depende disso.


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