São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
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CRÍTICA

Tiazinha, a musa do Baile da Ilha (do Ajuste) Fiscal

Patrícia Santos/Folha Imagem
Suzana Alves, a Tiazinha, com fantasia que usará no desfile no Rio de Janeiro


FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião

Basta ter meio olhar voltado à realidade para notar que o Carnaval deste ano tem um certo sabor de Baile da Ilha Fiscal, ou do Ajuste Fiscal, como se queira. Nesses dias de catarse, descompressão da panela e anestesia, Brasília -a capital do Império ou a Ilha da Fantasia, tanto faz- costuma ficar apenas com seus fantasmas vagando entre repartições vazias.
Seus inquilinos mais ilustres, tucanos circunspectos, poderão dedicar alguns dias à leitura dos clássicos e à família. Talvez sejam incomodados em casa por um outro chamado de burocratas do FMI querendo detalhar um ou outro corte em algum programa social para cumprir metas, coisinhas de rotina. Alguns deles terão a curiosidade de espiar pela TV o Brasil real, as vítimas do ajuste se esfalfando em transe na avenida.
Como disse o presidente em entrevista na semana passada, "aqueles que podem se dar ao luxo de bailar, bailam, outros, que não podemos, não bailamos".
Para dar à frase um caráter menos circunstancial e fazer jus ao sociólogo sempre tão perspicaz na compreensão do país, bastaria inverter seus termos: aqueles que podem se dar ao luxo de não bailar, não bailam, outros, que não podem, bailam. No Brasil, as coisas têm sido simples assim há, digamos, 500 anos.
Mas é Carnaval. A TV irá se dividir entre a exibição de desfiles de escolas de samba que, como a cabeça do Brasil, estão cada vez mais hollywoodianizadas, flagrantes da elite e agregados protegidos em camarotes patrocinados por grandes empresas e, por fim, imagens "proibidas" de bailes de salão com suas sacanagens pré-fabricadas ou semiprontas.
Tudo indica que, apesar das rivalidades nesse mercado cada vez mais competitivo, Tiazinha será a bunda da vez, posto ocupado por Carla Perez no ano passado. Clichês do país sensual e a alegria teimosa desse povo sofrido serão mais uma vez lembrados e exaltados por jornalistas e comentaristas contratados pelas emissoras. Gafes e curiosidades irrelevantes abundarão durante as transmissões para suprir a falta de assunto e alimentar as colunas sociais.
Tudo isso talvez fosse tolerável, simpático até, quando ainda se tinha a ilusão de que o Brasil era um país promissor, em formação, que aqui se estaria gestando uma civilização diferente, mas civilização. Hoje isso não faz mais sentido. Os "camelôs da identidade ou do caráter nacional" (expressão do grande historiador Evaldo Cabral de Mello) continuam usando o Carnaval para apoiar e difundir suas teorias fundamentalistas. Seria muito melhor, para invocar de novo Cabral de Mello, se trocássemos "um quinhão da nossa sacrossanta originalidade por um pouco de seriedade nacional".
O grupo TVer, formado por intelectuais e pessoas progressistas interessados em discutir e encontrar formas democráticas -ressalte-se, democráticas- de estabelecer parâmetros à programação da TV, começa a eleger mensalmente temas para análise detalhada. Aproveitando o espírito carnavalesco, o TVer optou por começar discutindo a imagem da mulher na TV brasileira. Aguardam-se os resultados e espera-se que o espírito iluminista predomine sobre a tentação feminista. O grupo também irá propor que as emissoras adotem, cada uma, o seu ombudsman, como há por exemplo na Folha. Duvido que cole, mas a idéia é simpática.

E-mail: fbsi@uol.com.br



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