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CRÍTICA
Éticas, mulheres, tribos e ralés
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião
O "Domingão do Faustão" tem agora um código
de ética, divulgado em primeira mão por esta Folha
no fim-de-semana passado. Esta coluna julgou
oportuno reproduzi-lo no
quadro ao lado acompanhado do seu avesso, um
anticódigo, menos por espírito de porco e mais para
que se possa confrontar
um e outro, e ambos com a
realidade. A iniciativa edificante da Globo não deve
ser menosprezada, como
se fosse mera empulhação,
mas também não serve como garantia de nada. É evidente que, depois de flertar
com o estilo Gugu, a direção do Faustão considerou
que seria melhor enfrentá-lo em outros termos,
apelando para o compromisso com uma suposta
dignidade que o adversário
não tem como sustentar.
Faustão e Gugu não são
iguais, obviamente. Mas a
distância que os separa talvez seja da mesma ordem
da que separa o "Domingão" do decálogo que agora o orienta.
Também na última semana, foi noticiada com
grande destaque nos jornais a pesquisa "A mulher
retratada pela TV", encomendada pelo grupo
TVer, agora transformado
em ONG. O grupo, ou a
ONG, se propõe a analisar
a TV brasileira, cobrar atitudes das emissoras e
eventualmente interferir
no rumo da programação.
Tem gente muito séria e
bem-intencionada, mas os
resultados desse trabalho
são bem decepcionantes.
Em primeiro lugar, parece pouco representativa
uma pesquisa feita com
253 mulheres ouvidas pelo
telefone. Pior que isso: a
pesquisa colheu entrevistadas apenas nas classes A,
B e C, ignorando as chamadas D, e E -isto é, o
povão. Falha pouco perdoável quando a discussão
sobre a TV deriva em boa
medida dos efeitos de sua
suposta "popularização".
Além disso, parece precária uma das conclusões
da pesquisa: a imensa
maioria das mulheres não
se identificaria com o modelo feminino que lhe é
apresentado pela TV. O
grupo toma isso como um
sintoma de descontentamento ou de distanciamento crítico. Como, então, explicar a indústria
milionária de badulaques,
brinquedos, roupas e acessórios de Tiazinha, Xuxa,
Eliana, Angélica etc.? Os
mecanismos de projeção e
identificação alimentados
pela indústria cultural são
muito mais complexos e
perversos do que faz supor
essa análise -com o perdão- ingênua, como bem
sabem membros do TVer.
Isso, de resto, fica evidente quando a pesquisa
aponta que o programa
ideal segundo o público feminino traria entre seus
ingredientes o glamour do
"Fantástico" e a pauta do
"Silvia Poppovic". Que
mulher "crítica" é essa
que solicita um mingau
pasteurizado, na forma e
no conteúdo, como alternativa de programação?
Levanto essas objeções
para concluir que sem um
pouco de análise social e de
crítica do indivíduo massificado -dessa mulher
exaltada, no caso- pesquisas como a do TVer
acabam servindo apenas
para exercícios de beletrismo de classe média e resultam em metafísica. Por
que, afinal, a TV é assim se
a sociedade que a consome
parece tão razoável?
O tom de lamúria dominou as críticas na imprensa sobre a reforma
cosmética da MTV, que incorporou, com lugar de
destaque, a turma do pagode e quejandos à programação no intuito desesperado de popularizá-la.
Os "modernos" estão
chiando e, de fato, a bela
Sabrina não combina com
o Belo do Soweto. Mas,
preferências musicais à
parte, o que chama atenção é a reação do espectador militante da MTV, do
qual os críticos contrariados são supostamente porta-vozes: sente-se desalojado do seu gueto, como se
tivesse sido jogado na vala
comum do gosto massificado, do qual acreditava
estar imune vendo a MTV.
A ilusão é similar à dos
que fazem da mostra de cinema do Cakoff, em oposição ao cinemão, um instrumento de diferenciação
social e de identificação
grupal. "A ralé são os outros": lema "existencialista" das tribos que animam a indústria cultural.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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