São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000


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ANDIAMO!
Cronometragem registra até 40% do tempo ocupado por cenas-tampão; para autor, "cada novela tem o seu ritmo"
Com uma só fase, "Terra Nostra" se enche de monotonia

ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL

NAS ÚLTIMAS semanas, o andar da carruagem de "Terra Nostra", da Rede Globo, ficou mais lento. Os protagonistas Juliana e Matheu perderam espaço para longas cenas de bondes, trens, figurantes passeando pelas ruas paulistanas do início do século, imagens antigas de fazendas de café... Personagens até então coadjuvantes, como Anacleto e Inês, pais de Paola, de repente ganharam enorme destaque, em diálogos muitas vezes extensos demais e cansativos.
Para se ter uma idéia da monotonia a que chegou a novela em determinados capítulos, no episódio do último dia 6, por exemplo, foram exibidos 16 minutos de "cenas-tampão", onde não aconteceu absolutamente nada. Isso significa 40% do tempo do capítulo, que, descontando-se os comerciais, chegou a 40 minutos de duração. Entenda-se como "tampão" cenas de colonos conversando, trens em movimento, o amanhecer na fazenda de Angélica, tomadas intermináveis da mansão de Francesco etc. Para completar, nesse mesmo capítulo Juliana apareceu apenas 21 segundos, e Mateu, pífios 26 segundos.
O público parece ter sentido a mudança, como é o caso da telespectadora Maria da Gloria Arantes, de São Paulo. Indignada, ela mandou uma carta ao TV Folha dizendo que a novela "começou comovente, mas agora só tem diálogos maçantes, sem enredo empolgante".
Mas, afinal, o que há de errado com o maior sucesso da TV Globo nos últimos anos?
Para a atriz Carolina Kasting, intérprete da anteriormente atrevida Rosana -hoje uma moça pacata que vive com os pais em São Paulo-, "escrever uma novela é um trabalho estafante, e é dramaticamente impossível manter o mesmo nível dramático do início da história".
Integrante do Núcleo de Pesquisa de Telenovelas da Universidade de São Paulo, a professora Renata Pallottini afirma que um dos grandes problemas de "Terra Nostra" foi a mudança do projeto inicial, que previa que a trama seria desenvolvida em três fases distintas. "Isso acabou prejudicando o trabalho de Benedito Ruy Barbosa, o autor, que ficou sem material para a ação dramática. Ação significa caminhar para frente, mas o que se tem visto em "Terra Nostra" é um vaivém sem fim, com personagens casando e descasando, indo e voltando de Santos, perdendo e arrumando emprego etc."
Também do núcleo da USP, a professora Maria Lourdes Motter aponta outro problema: a "rotinização" do amor entre Matheu e Juliana. "O que antes era uma relação cheia de encanto virou amor do dia-a-dia, arrastado, afetado por problemas domésticos, chato."
Mas, ela destaca, todas essas críticas ao trabalho de Ruy Barbosa só existem porque "Terra Nostra" é, ainda, "infinitamente superior a qualquer outra atração semelhante na TV brasileira": "Ninguém pára para falar mal das novelas mexicanas, pois todos sabem que são péssimas. Mas o autor padece porque sua novela é um acontecimento no país, gerando uma cobrança enorme. Apesar de tudo, "Terra Nostra" é uma grande produção".
E o que acha de tudo isso Benedito Ruy Barbosa? Com mais de 30 anos de carreira, o autor de sucessos como "Cabocla" e "Pantanal" sofreu um acidente há cerca de um mês, em sua fazenda no interior de São Paulo, fraturando o braço esquerdo. Acostumado a trabalhar sozinho, sem uma equipe de colaboradores que o auxilie, hoje, com o braço engessado, dita o texto da novela para seu neto de 17 anos.
Acorda sempre às 6h30 e costuma se dedicar a "Terra Nostra" até oito horas por dia. Em média, produz 35 laudas diariamente, tendo escrito mais de 5.000 páginas só para essa novela.
"Além de todo estresse inerente à profissão de escritor de novelas, ainda estou machucado. Com o acidente, o Jayme Monjardim (diretor de "Terra Nostra') teve de transformar dois capítulos em cinco. Mas mesmo assim não acho que a trama esteja arrastada", diz ele.
Segundo Ruy Barbosa -que todo dia recebe mais de 50 e-mails comentando seu trabalho-, há dois tipos de telespectador: "O pior é aquele simplista, cuja única preocupação é se Matheu ficará com Juliana. Para esses, não ligo, já perdi o respeito por eles. Ora, não faço novelinha de amorzinho. Isso seria fácil. Minha novela trata do Brasil em crise do início do século e vai além do simples beija-não-beija".
Ele aponta uma falha sua no início da trama: habituou o público a uma velocidade muito alta, em que tudo acontecia em um piscar de olhos. "Não dá para manter a mesma rapidez do começo, quando ainda havia o projeto das fases. Isso mudou, e é preciso entender que a novela tem seu ritmo."
Sobre o amor de Matheu e Juliana, o autor de "Terra Nostra" afirma que seu desejo sempre foi o de mostrar uma "relação real", sujeita às turbulências da vida cotidiana. "Ainda tem gente acostumada a "happy end". As minhas novelas sempre passaram longe disso."


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