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ANDIAMO!
Cronometragem registra até 40% do tempo ocupado por cenas-tampão; para
autor, "cada novela tem o seu ritmo"
Com uma só fase, "Terra Nostra" se enche de monotonia
ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL
NAS ÚLTIMAS semanas, o andar
da carruagem de "Terra Nostra", da
Rede Globo, ficou mais lento. Os protagonistas Juliana e Matheu perderam espaço para longas cenas de bondes, trens,
figurantes passeando pelas ruas paulistanas do início do século, imagens antigas
de fazendas de café... Personagens até então coadjuvantes, como Anacleto e Inês,
pais de Paola, de repente ganharam
enorme destaque, em diálogos muitas vezes extensos
demais e cansativos.
Para se ter uma idéia da monotonia a que chegou a
novela em determinados capítulos, no episódio do último dia 6, por exemplo, foram exibidos 16 minutos de
"cenas-tampão", onde não aconteceu absolutamente
nada. Isso significa 40% do tempo do capítulo, que, descontando-se os comerciais, chegou a 40 minutos de duração. Entenda-se como "tampão" cenas de colonos
conversando, trens em movimento, o amanhecer na fazenda de Angélica, tomadas intermináveis da mansão
de Francesco etc. Para completar, nesse mesmo capítulo Juliana apareceu apenas 21 segundos, e Mateu, pífios
26 segundos.
O público parece ter sentido a mudança, como é o caso da telespectadora Maria da Gloria Arantes, de São
Paulo. Indignada, ela mandou uma carta ao TV Folha
dizendo que a novela "começou comovente, mas agora
só tem diálogos maçantes, sem enredo empolgante".
Mas, afinal, o que há de errado com o maior sucesso
da TV Globo nos últimos anos?
Para a atriz Carolina Kasting, intérprete da anteriormente atrevida Rosana -hoje uma moça pacata que
vive com os pais em São Paulo-, "escrever uma novela
é um trabalho estafante, e é dramaticamente impossível
manter o mesmo nível dramático do início da história".
Integrante do Núcleo de Pesquisa de Telenovelas da
Universidade de São Paulo, a professora Renata Pallottini afirma que um dos grandes problemas de "Terra
Nostra" foi a mudança do projeto inicial, que previa que
a trama seria desenvolvida em três fases distintas. "Isso
acabou prejudicando o trabalho de Benedito Ruy Barbosa, o autor, que ficou sem material para a ação dramática. Ação significa caminhar para frente, mas o que
se tem visto em "Terra Nostra" é um vaivém sem fim,
com personagens casando e descasando, indo e voltando de Santos, perdendo e arrumando emprego etc."
Também do núcleo da USP, a professora Maria Lourdes Motter aponta outro problema: a "rotinização" do
amor entre Matheu e Juliana. "O que antes era uma relação cheia de encanto virou amor do dia-a-dia, arrastado, afetado por problemas domésticos, chato."
Mas, ela destaca, todas essas críticas ao trabalho de
Ruy Barbosa só existem porque "Terra Nostra" é, ainda,
"infinitamente superior a qualquer outra atração semelhante na TV brasileira": "Ninguém pára para falar mal
das novelas mexicanas, pois todos sabem que são péssimas. Mas o autor padece porque sua novela é um acontecimento no país, gerando uma cobrança enorme. Apesar de tudo, "Terra Nostra" é uma grande produção".
E o que acha de tudo isso Benedito Ruy
Barbosa? Com mais de 30 anos de carreira, o autor de sucessos como "Cabocla" e
"Pantanal" sofreu um acidente há cerca
de um mês, em sua fazenda no interior
de São Paulo, fraturando o braço esquerdo. Acostumado a trabalhar sozinho,
sem uma equipe de colaboradores que o
auxilie, hoje, com o braço engessado, dita o texto da novela para seu neto de 17
anos.
Acorda sempre às 6h30 e costuma se
dedicar a "Terra Nostra" até oito horas
por dia. Em média, produz 35 laudas
diariamente, tendo escrito mais de 5.000
páginas só para essa novela.
"Além de todo estresse inerente à profissão de escritor de novelas, ainda estou
machucado. Com o acidente, o Jayme
Monjardim (diretor de "Terra Nostra')
teve de transformar dois capítulos em
cinco. Mas mesmo assim não acho que a
trama esteja arrastada", diz ele.
Segundo Ruy Barbosa -que todo dia
recebe mais de 50 e-mails comentando
seu trabalho-, há dois tipos de telespectador: "O pior é
aquele simplista, cuja única preocupação é se Matheu
ficará com Juliana. Para esses, não ligo, já perdi o respeito por eles. Ora, não faço novelinha de amorzinho. Isso
seria fácil. Minha novela trata do Brasil em crise do início do século e vai além do simples beija-não-beija".
Ele aponta uma falha sua no início da trama: habituou
o público a uma velocidade muito alta, em que tudo
acontecia em um piscar de olhos. "Não dá para manter
a mesma rapidez do começo, quando ainda havia o projeto das fases. Isso mudou, e é preciso entender que a
novela tem seu ritmo."
Sobre o amor de Matheu e Juliana, o autor de
"Terra Nostra" afirma
que seu desejo sempre foi
o de mostrar uma "relação real", sujeita às turbulências da vida cotidiana.
"Ainda tem gente acostumada a "happy end". As
minhas novelas sempre
passaram longe disso."
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