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PERFIL / GUEL ARRAES
Criador e diretor de programas como "TV Pirata", "Armação Ilimitada", "Muvuca" e, mais recentemente, "A Invenção do Brasil", o diretor de núcleo da Globo Guel Arraes vai ampliando aos poucos seus trabalhos para
além da TV. Em setembro, estréia nos cinemas "O Auto da Compadecida" e, na sexta, entra em cartaz no Rio a peça "Lisbela e o Prisioneiro", duas produções que o consagraram na televisão.
ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL
Por que levar para o teatro um texto que
você já fez na TV?
Primeiro, originalmente, "Lisbela" é
uma peça de teatro. Segundo, há uma
história pessoal por trás, já que fui convidado pela minha mulher, Virginia Cavendish, a encenar esse texto. Mas existe
ainda um outro motivo: o de desdobrar
os trabalhos que eu e minha equipe fizemos para a TV. Nos últimos oito anos a
gente produziu programas equivalentes
a quase um movimento artístico. Se fosse
em cinema, já teríamos um nome. Na
TV, somos vistos por muita gente -e é
ótimo que seja assim-, mas aquilo é
apenas uma gota numa maré enorme de
programação...
Foi com essa idéia que você concebeu "O
Auto da Compadecida" e "A Invenção do
Brasil" para o cinema também?
Quando nos foi sugerido fazer o "Auto" em película para a TV, falamos: "Poxa, isso dá um filme" -o que acabou
acontecendo (deve estrear no dia 7 de setembro). Em "A Invenção do Brasil", a
gente já pensou em propor um filme,
ainda sem data para chegar ao cinema, e
fazer um livro. Já reeditei a minissérie e
agora tenho de achar um produtor que a
leve para as telas. E foi nesse bolo que
surgiu a montagem de "Lisbela". Desdobrar obras que já fiz na TV é uma forma,
claro, de chamar a atenção do público a
partir do meu trabalho televisivo.
No teatro, antes de "Lisbela", você havia dirigido apenas "O Burguês Ridículo".
Acostumado à TV, você não estranha as limitações do palco?
Tudo o que aprendi sobre direção foi
na televisão. Mas sempre fui influenciado pelo teatro, desde os tempos do "TV
Pirata". Claro que o teatro tem fatores limitantes. Às vezes eu fico pensando: "Ai,
depois de velho resolvi fazer teatro!". Só
que, em termos de criação, teatro é a base
de tudo. Ele lhe dá uma auto-suficiência
enorme, porque, quando um diretor
descobre, por exemplo, uma boa solução
para fazer uma batalha no palco, ele pode tudo, a partir do mínimo, da essência.
O que você achou de a Globo ter tirado o
"Muvuca" do ar? Ainda há espaço na TV
para o estilo de Regina Casé?
Acho que ainda há, sim. Claro que você
pode fazer críticas pontuais ao programa, achar que este ano estava pior etc.,
mas... Veja o "TV Pirata": ele acabou
quase no auge, porque entrou "Pantanal" na Manchete. Mas o programa gerou vários frutos, como as atrações da
Regina. O "Programa Legal" era uma
forma nova, que misturava documentário. Depois a Regina radicalizou para
uma forma que não tinha mais quase nada a ver com humor e se tornou quase só
apresentadora, comandando praticamente o único documentário que ia ao ar
na Globo -já que os outros programas
eram mais jornalísticos. Acredito que faz
falta na TV esse tipo de linguagem dos
programas dela. E acho que a Regina tem
mil possibilidades.
Mas agora era o momento para se tirar o
"Muvuca" do ar?
É difícil dizer... Este negócio de concorrência é uma faca de dois gumes. Não dá
para se queixar da realidade, mas há uma
espécie de obnubilação de todo mundo,
inclusive da imprensa. Que um produtor
se preocupe que um tal programa não
está dando audiência, tudo bem. Mas
que essa seja a única preocupação, às vezes, da imprensa, é errado. Ela tem de se
preocupar com outros fatores. Por
exemplo, a "Comédia da Vida Privada"
muitas vezes perdia pontos para o Ratinho. Não dá para comparar, mas saía notícia disso. A "Comédia" era feita tão artesanalmente, por um time tão legal, só
que não deu nem tempo de esgotar. O
"TV Pirata", que teve uma importância
enorme, também dançou por causa de
audiência. É difícil concorrer com novela
que dá certo. "Pantanal" era legal, mas
não para concorrer com "TV Pirata". O
que deveria, então, ter sido feito com o
humorístico? Sei lá, talvez botar ele mais
tarde, num horário mais adequado...
Mas você muitas vezes provou que dá
para unir qualidade e audiência. Qual o
segredo? O fato de você ter mais tempo
para fazer seus programas?
Há uma série de fatores, mas o tempo é
um dos principais. Para conseguir tempo, é preciso mais vontade do produtor,
de ele querer investir nisso e não apenas
entrar num imediatismo.
Por que já não há programas tão revolucionários como "TV Pirata" ou "Armação
Ilimitada"? É pessimismo dizer isso?
É circunstancial. Acontece às vezes:
uma hora um monte de gente se junta e
faz uma coisa legal. Mas há um outro lado: a concorrência, a curto prazo, cria
um apavoramento em relação a esse tipo
de coisa, e a TV se torna mais convencional. A médio prazo, isso deve mudar.
Quando todo mundo fizer tudo igual, se
diferenciará quem fizer algo diferente. Só
não sei quando isso acontecerá...
Mas essa criatividade também depende
das condições de trabalho que são oferecidas. A Globo hoje te possibilita menos?
Teoricamente, não, já que meu espaço
hierárquico hoje é maior. A ditadura do
Ibope, que sempre existiu, piorou com
uma aparente perda de hegemonia da
Globo. E, quando se está mais por cima,
se experimenta mais. Tomara que seja
uma fase de curto prazo, porque, sem experimentação, não há criação.
Como um diretor que viveu tantos anos
longe do Brasil conseguiu levar para a TV
tantas obras nacionais?
Vivi dos 15 aos 26 na Argélia e França.
Minha formação foi bastante cosmopolita, mas era muito ligado ao Brasil porque
sou filho de exilado político que só pensava no Brasil. Tinha ideais quase militantes, até mais do que quando vim para
cá, onde acabei fazendo novela.
É verdade que você já teve um certo sentimento de culpa por não ter seguido a
carreira de seu pai?
Tinha. Meu pai dedicou a vida a isso, e
eu me achava um pequeno-burguês...
E você continua usando sandálias de
couro feitas no Ceará? É uma maneira de
afirmar sua raiz nordestina?
(risos) É uma mania, superstição. Minha filha que não se conforma e fala:
"Pai, você só usa isso?".
BLITZ
Nome: Miguel Arraes de Alencar Filho
Data e local de nascimento: 12 de dezembro de 1953, no Recife (PE)
Novelas que já dirigiu: "Guerra dos Sexos" (83/84), "Vereda Tropical" (84/85)
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