São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PERFIL / GUEL ARRAES

Criador e diretor de programas como "TV Pirata", "Armação Ilimitada", "Muvuca" e, mais recentemente, "A Invenção do Brasil", o diretor de núcleo da Globo Guel Arraes vai ampliando aos poucos seus trabalhos para além da TV. Em setembro, estréia nos cinemas "O Auto da Compadecida" e, na sexta, entra em cartaz no Rio a peça "Lisbela e o Prisioneiro", duas produções que o consagraram na televisão.

ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL

Por que levar para o teatro um texto que você já fez na TV?
Primeiro, originalmente, "Lisbela" é uma peça de teatro. Segundo, há uma história pessoal por trás, já que fui convidado pela minha mulher, Virginia Cavendish, a encenar esse texto. Mas existe ainda um outro motivo: o de desdobrar os trabalhos que eu e minha equipe fizemos para a TV. Nos últimos oito anos a gente produziu programas equivalentes a quase um movimento artístico. Se fosse em cinema, já teríamos um nome. Na TV, somos vistos por muita gente -e é ótimo que seja assim-, mas aquilo é apenas uma gota numa maré enorme de programação...
Foi com essa idéia que você concebeu "O Auto da Compadecida" e "A Invenção do Brasil" para o cinema também?
Quando nos foi sugerido fazer o "Auto" em película para a TV, falamos: "Poxa, isso dá um filme" -o que acabou acontecendo (deve estrear no dia 7 de setembro). Em "A Invenção do Brasil", a gente já pensou em propor um filme, ainda sem data para chegar ao cinema, e fazer um livro. Já reeditei a minissérie e agora tenho de achar um produtor que a leve para as telas. E foi nesse bolo que surgiu a montagem de "Lisbela". Desdobrar obras que já fiz na TV é uma forma, claro, de chamar a atenção do público a partir do meu trabalho televisivo.
No teatro, antes de "Lisbela", você havia dirigido apenas "O Burguês Ridículo". Acostumado à TV, você não estranha as limitações do palco?
Tudo o que aprendi sobre direção foi na televisão. Mas sempre fui influenciado pelo teatro, desde os tempos do "TV Pirata". Claro que o teatro tem fatores limitantes. Às vezes eu fico pensando: "Ai, depois de velho resolvi fazer teatro!". Só que, em termos de criação, teatro é a base de tudo. Ele lhe dá uma auto-suficiência enorme, porque, quando um diretor descobre, por exemplo, uma boa solução para fazer uma batalha no palco, ele pode tudo, a partir do mínimo, da essência.
O que você achou de a Globo ter tirado o "Muvuca" do ar? Ainda há espaço na TV para o estilo de Regina Casé?
Acho que ainda há, sim. Claro que você pode fazer críticas pontuais ao programa, achar que este ano estava pior etc., mas... Veja o "TV Pirata": ele acabou quase no auge, porque entrou "Pantanal" na Manchete. Mas o programa gerou vários frutos, como as atrações da Regina. O "Programa Legal" era uma forma nova, que misturava documentário. Depois a Regina radicalizou para uma forma que não tinha mais quase nada a ver com humor e se tornou quase só apresentadora, comandando praticamente o único documentário que ia ao ar na Globo -já que os outros programas eram mais jornalísticos. Acredito que faz falta na TV esse tipo de linguagem dos programas dela. E acho que a Regina tem mil possibilidades.
Mas agora era o momento para se tirar o "Muvuca" do ar?
É difícil dizer... Este negócio de concorrência é uma faca de dois gumes. Não dá para se queixar da realidade, mas há uma espécie de obnubilação de todo mundo, inclusive da imprensa. Que um produtor se preocupe que um tal programa não está dando audiência, tudo bem. Mas que essa seja a única preocupação, às vezes, da imprensa, é errado. Ela tem de se preocupar com outros fatores. Por exemplo, a "Comédia da Vida Privada" muitas vezes perdia pontos para o Ratinho. Não dá para comparar, mas saía notícia disso. A "Comédia" era feita tão artesanalmente, por um time tão legal, só que não deu nem tempo de esgotar. O "TV Pirata", que teve uma importância enorme, também dançou por causa de audiência. É difícil concorrer com novela que dá certo. "Pantanal" era legal, mas não para concorrer com "TV Pirata". O que deveria, então, ter sido feito com o humorístico? Sei lá, talvez botar ele mais tarde, num horário mais adequado...
Mas você muitas vezes provou que dá para unir qualidade e audiência. Qual o segredo? O fato de você ter mais tempo para fazer seus programas?
Há uma série de fatores, mas o tempo é um dos principais. Para conseguir tempo, é preciso mais vontade do produtor, de ele querer investir nisso e não apenas entrar num imediatismo.
Por que já não há programas tão revolucionários como "TV Pirata" ou "Armação Ilimitada"? É pessimismo dizer isso?
É circunstancial. Acontece às vezes: uma hora um monte de gente se junta e faz uma coisa legal. Mas há um outro lado: a concorrência, a curto prazo, cria um apavoramento em relação a esse tipo de coisa, e a TV se torna mais convencional. A médio prazo, isso deve mudar. Quando todo mundo fizer tudo igual, se diferenciará quem fizer algo diferente. Só não sei quando isso acontecerá...
Mas essa criatividade também depende das condições de trabalho que são oferecidas. A Globo hoje te possibilita menos?
Teoricamente, não, já que meu espaço hierárquico hoje é maior. A ditadura do Ibope, que sempre existiu, piorou com uma aparente perda de hegemonia da Globo. E, quando se está mais por cima, se experimenta mais. Tomara que seja uma fase de curto prazo, porque, sem experimentação, não há criação.
Como um diretor que viveu tantos anos longe do Brasil conseguiu levar para a TV tantas obras nacionais?
Vivi dos 15 aos 26 na Argélia e França. Minha formação foi bastante cosmopolita, mas era muito ligado ao Brasil porque sou filho de exilado político que só pensava no Brasil. Tinha ideais quase militantes, até mais do que quando vim para cá, onde acabei fazendo novela.
É verdade que você já teve um certo sentimento de culpa por não ter seguido a carreira de seu pai?
Tinha. Meu pai dedicou a vida a isso, e eu me achava um pequeno-burguês...
E você continua usando sandálias de couro feitas no Ceará? É uma maneira de afirmar sua raiz nordestina?
(risos) É uma mania, superstição. Minha filha que não se conforma e fala: "Pai, você só usa isso?".



BLITZ
Nome: Miguel Arraes de Alencar Filho
Data e local de nascimento: 12 de dezembro de 1953, no Recife (PE)
Novelas que já dirigiu: "Guerra dos Sexos" (83/84), "Vereda Tropical" (84/85)




Texto Anterior: No baú: SBT guarda novelas inéditas na "geladeira"
Próximo Texto: Laerte
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.