São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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A metapublicidade e Roseana Sarney

EUGÊNIO BUCCI

ESTÁ NO AR uma campanha publicitária, ou melhor, uma campanha metapublicitária: faz publicidade da publicidade. Num dos filmes, um sujeito vai pedir cerveja no bar e, quando o garçom lhe pergunta "qual?", ele responde: "Qualquer uma". Ao que o garçom retruca: "Ah, mas qualquer uma não tem". O cliente se esquiva: "Então tanto faz". Pretende-se, com isso, ridicularizar o freguês que não sabe a marca das mercadorias. Segue-se uma lição de moral, severa, em barítono: "Sem publicidade, o consumidor não tem como saber que um produto é melhor". Segue-se outra: "Sem grandes marcas não existem grandes empresas". Ou seja: sem publicidade não há informação.
A julgar pela campanha, as marcas, bem como os comerciais de TV, são serviços de extrema utilidade pública. Estamos, portanto, diante de uma campanha que é um esforço cívico em prol do esclarecimento público. O termo cívico, aqui, não é puramente irônico é apenas parcialmente irônico. Realmente, é vendo filminho de TV que um bebedor de cerveja imagina que tal marca seja "superior" à outra; é vendo filminho que se escolhe um modelo de tênis. Se há uma ironia nestas frases, ela não vem do signatário desta coluna, mas da natureza das relações de consumo.
O fato, perverso, é que o consumidor depende da publicidade para estabelecer termos de comparação entre duas mercadorias. Se ele fizer a comparação sem levar em conta a publicidade não conseguirá ver diferença entre este ou aquele par de tênis, esta ou aquela garrafa de cerveja. Calçados, cervejas, cadernetas de poupança, ora, por favor, essas coisas são todas iguais, são commodities como barris de petróleo e sacos de carvão. Suas distinções são de ordem imaginária. Melhor ou pior não é o tênis da marca A ou B, mas a imagem (publicitária) da marca A ou B. Por isso tanta propaganda. Por isso, enfim, o sentido mais profundo da atividade publicitária: fazer publicidade de si mesma. Vendendo um produto qualquer, o publicitário vende a si mesmo. Como se fosse, mais que um camelô, um mediador social insubstituível.
Donde chegamos a Roseana Sarney.
Já que tudo é imagem, alguém deveria proclamar, de uma vez, que a publicidade suplantou o jornalismo na função de mediar os debates públicos. Sem publicidade, não há democracia. Pelo menos, não há eleição. O tal "fator" Roseana está aí para comprovar. Algumas centenas de inserções de comerciais do PFL na TV transformaram a governadora do Maranhão na nova marca registrada da corrida presidencial. Não que ela seja uma liderança carismática. Todos sabem que o feito de sua própria marca não é dela, mas dos filminhos publicitários.
"Sem grandes marcas não há grandes partidos", alguém deve ter ponderado nas catacumbas do PFL. "Sem publicidade o eleitor não tem como saber que um(a) candidato(a) é melhor." Roseana de cabelos sedosos ao vento, trens em trânsito, criancinhas alegres. Roseana em segundo lugar na preferência dos eleitores, com índices de popularidade em ascensão (na esfera pública, a popularidade sepultou a idéia de legitimidade).
Candidatos são bens de consumo. Seus artífices são os marqueteiros, os novos gênios do Estado, os sucessores dos ideólogos na condução da sociedade. Daí que a propaganda eleitoral virou, ela também, uma forma de metapublicidade. É isso o que estamos vendo no final de 2001. Anunciando seus candidatos-clientes, os publicitários exibem seus dotes. Oferecem-se ao mercado cuja meta é o poder. A publicidade, enfim, torna-se a linguagem eficaz para as mensagens partidárias, suprimindo o debate político. A disputa dos marqueteiros será emocionante. Nenhum eleitor vai gaguejar ao dizer o nome (a marca registrada) do seu candidato.
Quanto ao tipo de República, isso é outra conversa. Qualquer uma. Tanto faz.




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