São Paulo, domingo, 19 de março de 2000


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GUERRA DOS BOTÕES
Emissoras usam crianças para ganhar pontos na guerra de audiência e mantêm funcionários mirins com salários que pouca gente grande tem
TVs exibem atrações de pequeno porte

Marcos Ankósqui/Folha Imagem
Dani Boy (à esq.), versão mirim de Gugu Liberato e assistente de palco do apresentador no "Domingo Legal", do SBT, e Kalil, coleguinha e "cover" de Fausto Silva, no "Domingão Legal", da Rede Globo


BRUNO GARCEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

A GUERRA de audiência travada entre as emissoras de TV está levando-as a investir em atrações de pequeno porte. Exemplo disso são os reforços que os programas dominicais de Fausto Silva, na Globo, e o de Gugu Liberato, no SBT, foram buscar: dois assistentes de palco com cerca de 1,20 m de altura e 6 e 7 anos de idade, respectivamente.
Marcos Felipe Nunes da Silva, 6, o Dani Boy, destaque do "Domingo Legal", do SBT, e Kalil Taha, 7, que participa do "Domingão do Faustão", são apenas dois integrantes do verdadeiro exército de crianças que invadiu as TVs.
Além de programas em que são protagonistas, como "Pequenos Brilhantes", do SBT, e "Gente Inocente", da Globo, a garotada é presença constante no "Programa Raul Gil" (Record), na "Festa do Mallandro" (CNT/Gazeta), no "Domingo Show" (Record) e no "Programa do Ratinho" (SBT). Além de Dani Boy e Kalil, os programas de Gugu e Faustão também estão investindo em concursos de música e dança com crianças.
Ainda que vista com ressalvas por psicólogos e entidades infantis, a atuação de crianças na TV é saudada principalmente por seus pais, que, além de verem os filhos brilharem na telinha, ainda conseguem vultoso complemento de renda.
Marcos Felipe, o Dani Boy, por exemplo, recebe, como funcionário do SBT, salário que oscila entre R$ 3.500 e R$ 4.000 por suas duas participações semanais na TV, no "Domingo Legal" e no "A Praça É Nossa".
Graças à quantia, ele hoje estuda em uma escola particular em Jacareí (SP), onde mora, e tem motorista particular. O SBT é responsável pelo corte e pela tintura loira dos cabelos de Dani Boy, a fim de que o menino, que possui cabelos castanhos, fique mais parecido com o apresentador Gugu Liberato. Dani Boy se prepara lançar um CD, só com músicas sertanejas.
Na Globo, o jovem Kalil goza de regalias semelhantes, para contar piadas, cantar e apresentar o videokê do "Domingão do Faustão". Os pais do garoto não dizem o quanto ele ganha, mas, atualmente, descontadas apresentações eventuais que seu pai, músico, faz em cidades do interior, praticamente se dedicam em regime de exclusividade ao gerenciamento da carreira do filho.
A atuação das duas crianças é semelhante nos programas da Globo e do SBT. Sem ensaios prévios e sem fazer uso de textos pré-decorados, os meninos conversam com os apresentadores, contam piadas e cantam músicas sertanejas.
A carreira precoce do miniFaustão e do microGugu não teve início, no entanto, com suas participações fixas no "Domingão do Faustão" e no "Domingo Legal". Dani Boy já se exibiu no "Festa do Mallandro" e no "Programa Raul Gil".
Kalil também já se apresentou, no passado, no "Programa Raul Gil", e gravou participações no "Gente Inocente", que não chegaram a ser exibidas. Ainda que seus pais tentem desmentir, Kalil não tem papas na língua ao explicar o seu afastamento do "Gente Inocente".
"Gostava muito do Wilton Franco (diretor que antecedeu Detto Costa, que atualmente comanda a atração), mas com o outro diretor não me dei bem." Wilton Franco, que elaborou o "Gente Inocente", mas que acabou se debandando para o SBT, onde criou o "Pequenos Brilhantes", confirma a versão de Kalil.
"Ele não estava feliz. No "Gente Inocente" falta coração. Lá, o garoto que é reprovado como calouro vê a mãe tomar uma chuveirada. É frustrante e traumatiza a criança", diz Franco, referindo-se à uma das brincadeiras mais controversas da atração global. Procurado pela Folha, o diretor Detto Costa se negou a comentar as críticas de seu colega.
Franco faz também críticas veladas às atrações apresentadas por Raul Gil. "Em meu programa, não quero usar as crianças para fazer um humor grosseiro, abaixo da cintura, em que elas imitam a Tiazinha e fazem a dança da bundinha."
As alfinetadas são dirigidas a quadros apresentados com crianças, no "Programa Raul Gil", como o "Forrozinho", concurso de dança de forró, o "Tchanzinho", que escolheu os sósias mirins do É o Tchan, e o "Meu Filho É uma Gracinha", em que crianças mostram suas habilidades cantando e dançando.
"A garotada que trazemos aqui não fica horas ensaiando e nem usa ponto eletrônico no ouvido. O que Globo e SBT fazem é cruel. Eles não entendem que a criança é espontânea, é ela quem diz se é hora de rir ou de chorar", afirma Raul Gil. O vencedor em uma das modalidades de seu programa ganha R$ 5.000. A quantia faz com que pais cheguem até a criar grupos mirins para competir.
É o caso de Maria Luísa de Lima Silva, que trouxe sua filha, Joyce, de 6 anos, para participar do "Show da Mulekada", juntamente com Frederico Sousa Leite, 6, colega de escola de Joyce, e Isabela Cleto da Silva, 6, que frequenta a mesma academia que sua filha, onde fazem juntas aulas de dança do ventre, talento que Joyce já apresentou no programa "Eliana & Alegria", da Record.
Para a psicoterapeuta de crianças Tereza Cristina Vecina, tal tipo de exposição é nociva à criança. "É uma forma precoce de explorar o corpo, mostra uma sexualidade para a qual a criança não está preparada", afirma. O banho de água fria na mãe do calouro reprovado, exibido no "Gente Inocente", também é pernicioso, no entender da psicoterapeuta. "É uma brincadeira, feita sob consentimento, mas que pode deixar traumas, pois a criança é ridicularizada e, para isso, ainda se faz uso de sua mãe."


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