São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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NOVELA
Eles reclamam que estão sendo caracterizados "como animais de atração em um circo, usados para chamar a atenção"
Índios protestam contra estereótipos de "Uga Uga"

CRISTIAN KLEIN
DA SUCURSAL DO RIO

OS ÍNDIOS estão revoltados com a novela "Uga Uga". A indignação ganhou a forma de uma carta-protesto entregue, na semana passada, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em Brasília. A trama da Globo, segundo eles, está passando uma imagem estereotipada e perigosa da cultura indígena. O documento critica as cenas da novela em que mulheres indígenas alisam e "procuram" sexualmente os homens brancos.

"Isso está estimulando a violência sexual contra elas. Recentemente, houve o caso dos soldados que estupraram índias ianomâmis. A Globo está incentivando o homem branco a procurar as índias nas aldeias como se elas agissem do mesmo modo que as personagens da novela", afirma Antônio Carvalho (Werá Kwaray), 34, vice-cacique de uma tribo guarani do Espírito Santo e um dos três signatários do protesto.
A carta representa 140 etnias (das 220 existentes no Brasil) e 250 mil (dos 300 mil) índios brasileiros. É assinada pela Comissão da Conferência e Marcha dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, criada em abril deste ano, em Coroa Vermelha (BA), durante os protestos contra as comemorações oficiais dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
"No início, até que a novela estava indo bem. Mas agora ela está exagerando ao abordar a nossa sexualidade. Índio não se beija, não namora em público, no máximo aperta a mão. A nossa sexualidade é considerada coisa privada, não coletiva", diz Carlos Antônio Machado (Doethyró), 40, membro da tribo tucano, no Amazonas, que mora no Rio há quatro anos.
Na carta levada ao Congresso, os índios reclamam que estão sendo caracterizados na novela "como animais de atração em um circo, usados para chamar a atenção dos telespectadores".
O desrespeito à figura do pajé (interpretado pelo ator Roberto Bonfim) também é mencionado. O professor Marcelo Oliveira da Silva (Werá Djekupe), 30, conta que seu trabalho de ensino da cultura indígena nas escolas e no Museu do Índio, no Rio, tem sido prejudicado por "Uga Uga".
"As crianças vêm me perguntar se os pajés são "171" (trambiqueiros) como na novela. Estão ridicularizando o índio, num momento em que a situação poderia melhorar, com o aniversário dos 500 anos", lamenta o professor, conhecido como Marcelo Guarani.
O constrangimento público é outra queixa dos índios. "Crianças e adolescentes quando nos vêem na rua começam a rir e a nos chamar de Uga Uga", reclama Carlos Tucano.
Na sua aldeia, no Alto Rio Negro, no Amazonas, Carlos Tucano conta que há uma televisão para 300 pessoas. Aqueles que entendem o português traduzem a novela para os outros.
E qual a reação dos índios durante a exibição de um capítulo de "Uga Uga"? "Eles riem, acham ridículo e perguntam se há outras aldeias pelo Brasil parecidas com a da novela. Não se vêem representados", relata Carlos Tucano. O vice-cacique Antônio Carvalho afirma que só assistiu à novela uma vez. Na sua aldeia, perto do município de Aracruz (ES), também há televisões para 280 índios. "A gente é inocente, nem percebe os problemas que a novela pode causar", diz.
Segundo a Central Globo de Comunicação, "a novela Uga Uga é uma obra de ficção que se caracteriza pela sátira rasgada, não tendo portanto compromisso com a realidade, mas sem a intenção de desrespeitar nenhum segmento da sociedade".



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