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CRÍTICA
Vão dar um lençol no Brasil
EUGÊNIO BUCCI
A
ESCANDALOSA campanha de Roseana Sarney
na novela "O Clone" faz tremer os joelhos. Será ela o
clone de Fernando Collor? O leitor se lembra bem,
Collor foi eleito pela televisão, pela força de sua campanha em horário eleitoral e pelo protecionismo que a Globo
lhe dedicou no noticiário. Isso já foi exaustivamente demonstrado e já não interessa (a não ser como história e como lição).
Agora, Roseana põe os pés na alma da Globo e no altar do
Brasil de uma vez só. Ela toma posse da novela. "O Clone"
acaba de virar uma novela político-partidária. Uma novela
pefelista. É inacreditável.
Oficialmente, só o que existe
ali é um reles merchandising
para promover o turismo no
Maranhão. Para além das oficialidades, existe muito mais.
Aquilo inaugura um gênero, a
novela-palanque. Os lençóis
do Maranhão se convertem
em panfleto, em santinho de
boca-de-urna. Que cenas inebriantes. Uma criança no barco se farta de frutas frescas. Suco de bacuri. O convento, o
teatro restaurado. O paraíso é
lá. E quando a novela cessa,
vêm os intervalos comerciais e
a propaganda do PFL. Aí, é a
própria, é Roseana quem me
alerta: cuidado com os maus políticos ou o Brasil vai acabar
como a Argentina, cuidado com o inferno. Ai, que medo. Não
há como resistir. Eu quero votar na Roseana! Eu quero me
perder naqueles lençóis! Quero tirar fotografia dos molequinhos frugívoros! Estou cercado, confinado, fisgado. Roseana
Sarney pra lá, Roseana Sarney pra cá. Do alto dessa novela,
que não é qualquer novela, mas uma audiência continental,
Roseana, onipotente e provedora, dá ao telespectador de
olhos crédulos e sedentos o gozo contemplativo dos lençóis.
Debaixo do intervalo comercial, o seu marketing dá um lençol no país inteiro. Ela se instala no coração do Brasil, um pobre coração que pulsa no ritmo e na rima do novelão das oito.
A campanha presidencial começou de fato no campo da ficção. Começou antes que a lei a descobrisse ali, antes que as
normas que regulam a propaganda política imaginassem a
existência dessa nova modalidade de proselitismo partidário.
É uma campanha brilhante, porque é uma campanha que não
é campanha. E assusta. Pode indicar uma adesão da Globo,
ainda não declarada, à causa de Roseana. Dificilmente aquilo
tudo é mero acerto comercial. Aquilo tem cara de opção política. Se for, está em preparação um clone de Fernando Collor.
Quem não enxergar, vai levar lençol.
Dia 2 de janeiro, na seção "Tendências e Debates" desta Folha,
um consultor do SBT, Luiz
Eduardo Borgerth, procurou responder a uma crítica que eu fiz à
emissora para a qual trabalha. Eu
havia escrito que não estava claro,
para a opinião pública, se a exibição de um programa como "Casa
dos Artistas", claramente copiado do formato "Big Brother" sem
pagamento de direitos autorais,
não caracterizou uma forma de
pirataria. De modo bem-humorado, Borgerth disse que eu deveria estar cochilando ou mesmo
em sono profundo e que o termo
pirataria não se aplica ao episódio, uma vez que a Justiça brasileira autorizou a exibição, o que é fato. Antes de tudo, registro que recebo muito bem a resposta do SBT. É saudável, elogiável e muito raro que uma emissora aceite dialogar com a
crítica. A opinião pública sai ganhando. Deixo claro, também,
que jamais questionei decisões da Justiça sobre o assunto. A
dúvida que eu levantei, porém, continua no ar. Borgerth não a
respondeu. Se o SBT tem a serena clareza de que nenhum direito autoral seria devido, por que tentou negociar antes com
a Endemol, que é dona do formato "Big Brother"? A opção
por exibir o programa, sem pagar por isso, foi uma questão de
preço ou uma questão de princípios?
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