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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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CRÍTICA

O que é que eles têm que elas não têm

BIA ABRAMO

OS SINAIS estão por toda parte e são inequívocos, mas talvez ainda seja cedo para saber onde vai dar a crise das novelas. Que há uma, há: enquanto o SBT lança mão da neomexicanização, com algum sucesso, a Rede Globo se debate reciclando as fórmulas que ela mesma inventou, mas que por algumas razões não dão mais tão certo.
O interessante, entretanto, é observar que talvez seja apenas o formato, e não o conteúdo, que apresenta sintomas de algum tipo de doença, ou seja, é a ficção seriada do tipo telenovela que já não é mais tão atraente, mas não a ficção em geral. É só dar uma olhada nas listas de programas de maior audiência por canal da TV aberta -nos primeiros lugares, lá está uma novela ou uma série, o que indica que a TV como contadora de histórias ainda está valendo.
Talvez o que seja urgente descobrir é que tipo de histórias fazem sentido hoje em dia e como contá-las. A TV já soube disso, por exemplo, nos anos 70 e 80, quando a Globo chegou à sofisticação de ter mais de um formato bem-sucedido de telenovela. A grade -a "educativa" novela das 18h, as comédias às 19h, os dramões às 20h e até a novela para a classe média intelectualizada às 22h- dava conta das necessidades ficcionais de boa parte dos espectadores de TV. (E, se não desse, o monopólio encarregava-se de fazer dar).
Há uma série de motivos que podem explicar a crise das novelas, mas um deles é o crucial -a novela talvez ainda seja o mais importante, mas não é mais o único jeito de contar histórias na TV. Com a ampliação da concorrência -profissionalização de outras emissoras e a vinda da TV paga-, outros formatos de ficção passaram a dividir a atenção dos telespectadores. Tanto os derivados da novela, como as minisséries, em tudo semelhantes, mas mais curtas e com foco mais acertado, quanto os "importados", direta ou indiretamente, como as sitcoms norte-americanas e mesmo as tentativas brasileiras de produzir histórias mais enxutas, em episódios em vez de capítulos, têm abalado o longo reinado das novelas.
Embora estejam virtualmente ausentes da TV aberta -o SBT, por exemplo, é detentor dos direitos de vários títulos, alguns deles considerados os melhores, como "Plantão Médico" ("ER"), "Oz", "Alias", mas costuma exibi-los em horários esdrúxulos ou sem respeito à sequência original-, os seriados são um dos grandes atrativos da TV paga. E talvez tenham duas ou três coisas a ensinar às novelas.
Mesmo que os canais que os exibem torturem o telespectador com reprises à exaustão e horários eternamente tomados pelo mesmo título -os canais Warner, com "La Femme Nikita"; Sony, com "Seinfled"/"Newsradio"/"Saturday Night Live"; e Fox, com "Arquivo X"-, há uma agilidade incomparável no seriado. A estratégia de contar a história dos personagens principais em dois planos -um apresentado e desenvolvido a cada episódio e outro que se estende ao longo de vários episódios-, por exemplo, nunca dá a sensação de enrolação, que é tão comum às novelas. Um seriado pode soar repetitivo, mas sempre acontece alguma coisa.
Em segundo lugar, outro elemento importante dos seriados é o fato de eles procurarem alguma espécie de "realismo" antropológico. Em vez da pasteurização e, em alguns casos mais graves, da franca caricatura preconceituosa que sofrem nas novelas brasileiras os personagens que pretendem representar grupos jovens e estilos de vida alternativos, os seriados norte-americanos vão no sentido oposto.
E, por fim, mas não menos importante, há (quase) sempre lugar para o humor, mesmo nos seriados dramáticos. As novelas, via de regra, lembram-se até das boas causas, mas, com exceção daquelas que já são anunciadas como cômicas, tendem a se levar muito a sério.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br


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