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CRÍTICA
O outro lado do domingo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Depois de maltratar o
espectador durante horas
a fio, a TV aberta reserva
no final das noites de domingo alguns momentos
de compensação às almas
cansadas. Há o que assistir -e muitas vezes com
algum proveito. A programação continua péssima e provavelmente vai
piorar, mas não há porque ignorar que existe
hoje uma espécie de contra-tendência, concentrada em programas de
entrevistas recém-inaugurados em quatro emissoras distintas. São eles:
"Fogo Cruzado", de
Paulo Henrique Amorim, na Bandeirantes;
"Passando a Limpo", de
Boris Casoy, na Record;
"Conexão Roberto D'Avila", na Cultura; e "De
Frente com Gabi", no
SBT.
Antes de falar deles, vale notar de passagem que
a Globo, assim como
procura dosar sua adesão
ao campo popular, evitando até agora embarcar
em coisas do gênero Ratinho, Gugu ou Márcia,
também evita esses programas de entrevista,
que, embora pudessem
lhe trazer maior prestígio
no andar de cima da sociedade, representariam
perda de audiência. A
emissora de Roberto Marinho continua fiel à estratégia de ser o centro de
gravidade de um país que
são dois, sem abdicar da
pretensão de atrair a ambos ao mesmo tempo. A
novela no mais das vezes
se encarrega de criar o
efeito catártico de comunhão nacional, mas ao
preço de, por exemplo,
esconder o quão injusto e
miserável é o país. Pobre,
em novela, só os encontramos remediados ou
folclorizados, tipo Sassá
Mutema. Para quem ainda pensa que as novelas
reproduzem nossa realidade social, tese frequente numa certa esquerda,
lembro apenas que o ganho mensal médio de
50% dos trabalhadores
brasileiros é de R$ 140,00
-isso mesmo! Dados do
IBGE de 96. Parece pois
evidente que as novelas,
pelo peso simbólico que
têm nessa sociedade, representam um poderoso
instrumento para escondê-la dela mesma.
Mas, se as novelas brincam de esconde-esconde,
os programas dominicais
de entrevista têm a pretensão de debater ou desvelar verdades. Seria no
entanto injusto tratá-los
em bloco.
Não sei se tenho muito
o que dizer a respeito de
Marília Gabriela. Telmo
Martino, aqui mesmo na
Folha, já resumiu o espírito "Gabi" ao dizer que
"adotou o tom de quem
só tem amigos". Acrescento que também se dobrou ao "star system",
investindo em seus subprodutos, tipo Carla Perez ou Hebe Camargo. É
óbvio que foi enquadrada à camisa-de-força do
SBT, onde qualquer sinal
de vida inteligente soa
como uma ameaça à audiência e onde o único
compromisso parece ser
com o mercantilismo
mais atroz e sem pudores. As intimidades que
"Gabi" arranca de seus
entrevistados a aproximam do sofá porno-televisivo de Xuxa ou de publicações como "Amigas", "Contigo" ou
"Caras", não mais do
que isso. "De Frente
com Gabi" é apenas uma
caricatura do extinto
"Cara a Cara", da Bandeirantes.
Bem diferentes são Boris Casoy, Paulo Henrique Amorim e Roberto
D'Avila. Este último, talvez porque não tenha
que ajoelhar diante da
audiência, faz provavelmente o melhor programa de entrevistas da TV
brasileira, aberta ou fechada. Educado sem ser
servil e independente
sem ser grosseiro (servilismo e grosseria são dois
problemas muito comuns no jornalismo brasileiro), D'Avila está
sempre bem informado a
respeito do entrevistado
e sabe conduzir o "timming" entre perguntas e
respostas com habilidade
rara. Poderia talvez trocar o nome do programa,
que parece mais adequado a revistas de bordo, e
esquentar um pouco a
sua pauta.
Temperatura é o ponto
alto de "Fogo Cruzado".
Paulo Henrique Amorim
é um excelente jornalista
e os temas que tem levado para debate -sempre
com bons convidados e
posições conflitantes-,
como a greve nas universidades federais ou o negocismo que tomou conta do futebol, não costumam frequentar a TV.
Seu programa joga claramente a favor do iluminismo, mas o apresentador ainda não conseguiu
vencer uma certa afoiteza
na condução da polêmica. Corta muito os entrevistados e trunca demais
a exposição de argumentos visando alcançar uma
agilidade televisiva que,
no caso de "Fogo Cruzado", talvez seja dispensável ou mesmo indesejada.
Por fim, "Passando a
Limpo". O formato do
programa é tradicional e
a Record aposta na credibilidade de Casoy para
atrair um público que
não é o seu. Predominam
os convidados políticos,
o que, se pode ser chato
para gatos escaldados,
não é ruim diante da anemia de debate de temas
públicos na TV. E Casoy,
embora se mostre muitas
vezes vacilante e deixe o
entrevistado conduzir a
conversa mais do que deveria, é preparado e independente.
Ao contrário de algumas pessoas -pelo visto
muitas- que condenaram a sua recente entrevista com Fernando Collor, sou da opinião de
que foi uma bola dentro.
Por que não dar a palavra
ao ex-presidente no momento em que ele manobra para voltar à vida pública? A alternativa a isso
seria bani-lo da mídia,
erro que não considero
menos grave do que o de
milhões de brasileiros
que o colocaram no topo
da República. E, suspeito
por suspeito, há vários
soltos por aí. Dois deles, e
graúdos, estão até concorrendo à cadeira de
Mário Covas.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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