São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998

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CRÍTICA
O outro lado do domingo

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião

Depois de maltratar o espectador durante horas a fio, a TV aberta reserva no final das noites de domingo alguns momentos de compensação às almas cansadas. Há o que assistir -e muitas vezes com algum proveito. A programação continua péssima e provavelmente vai piorar, mas não há porque ignorar que existe hoje uma espécie de contra-tendência, concentrada em programas de entrevistas recém-inaugurados em quatro emissoras distintas. São eles: "Fogo Cruzado", de Paulo Henrique Amorim, na Bandeirantes; "Passando a Limpo", de Boris Casoy, na Record; "Conexão Roberto D'Avila", na Cultura; e "De Frente com Gabi", no SBT.
Antes de falar deles, vale notar de passagem que a Globo, assim como procura dosar sua adesão ao campo popular, evitando até agora embarcar em coisas do gênero Ratinho, Gugu ou Márcia, também evita esses programas de entrevista, que, embora pudessem lhe trazer maior prestígio no andar de cima da sociedade, representariam perda de audiência. A emissora de Roberto Marinho continua fiel à estratégia de ser o centro de gravidade de um país que são dois, sem abdicar da pretensão de atrair a ambos ao mesmo tempo. A novela no mais das vezes se encarrega de criar o efeito catártico de comunhão nacional, mas ao preço de, por exemplo, esconder o quão injusto e miserável é o país. Pobre, em novela, só os encontramos remediados ou folclorizados, tipo Sassá Mutema. Para quem ainda pensa que as novelas reproduzem nossa realidade social, tese frequente numa certa esquerda, lembro apenas que o ganho mensal médio de 50% dos trabalhadores brasileiros é de R$ 140,00 -isso mesmo! Dados do IBGE de 96. Parece pois evidente que as novelas, pelo peso simbólico que têm nessa sociedade, representam um poderoso instrumento para escondê-la dela mesma.
Mas, se as novelas brincam de esconde-esconde, os programas dominicais de entrevista têm a pretensão de debater ou desvelar verdades. Seria no entanto injusto tratá-los em bloco.
Não sei se tenho muito o que dizer a respeito de Marília Gabriela. Telmo Martino, aqui mesmo na Folha, já resumiu o espírito "Gabi" ao dizer que "adotou o tom de quem só tem amigos". Acrescento que também se dobrou ao "star system", investindo em seus subprodutos, tipo Carla Perez ou Hebe Camargo. É óbvio que foi enquadrada à camisa-de-força do SBT, onde qualquer sinal de vida inteligente soa como uma ameaça à audiência e onde o único compromisso parece ser com o mercantilismo mais atroz e sem pudores. As intimidades que "Gabi" arranca de seus entrevistados a aproximam do sofá porno-televisivo de Xuxa ou de publicações como "Amigas", "Contigo" ou "Caras", não mais do que isso. "De Frente com Gabi" é apenas uma caricatura do extinto "Cara a Cara", da Bandeirantes.
Bem diferentes são Boris Casoy, Paulo Henrique Amorim e Roberto D'Avila. Este último, talvez porque não tenha que ajoelhar diante da audiência, faz provavelmente o melhor programa de entrevistas da TV brasileira, aberta ou fechada. Educado sem ser servil e independente sem ser grosseiro (servilismo e grosseria são dois problemas muito comuns no jornalismo brasileiro), D'Avila está sempre bem informado a respeito do entrevistado e sabe conduzir o "timming" entre perguntas e respostas com habilidade rara. Poderia talvez trocar o nome do programa, que parece mais adequado a revistas de bordo, e esquentar um pouco a sua pauta.
Temperatura é o ponto alto de "Fogo Cruzado". Paulo Henrique Amorim é um excelente jornalista e os temas que tem levado para debate -sempre com bons convidados e posições conflitantes-, como a greve nas universidades federais ou o negocismo que tomou conta do futebol, não costumam frequentar a TV. Seu programa joga claramente a favor do iluminismo, mas o apresentador ainda não conseguiu vencer uma certa afoiteza na condução da polêmica. Corta muito os entrevistados e trunca demais a exposição de argumentos visando alcançar uma agilidade televisiva que, no caso de "Fogo Cruzado", talvez seja dispensável ou mesmo indesejada.
Por fim, "Passando a Limpo". O formato do programa é tradicional e a Record aposta na credibilidade de Casoy para atrair um público que não é o seu. Predominam os convidados políticos, o que, se pode ser chato para gatos escaldados, não é ruim diante da anemia de debate de temas públicos na TV. E Casoy, embora se mostre muitas vezes vacilante e deixe o entrevistado conduzir a conversa mais do que deveria, é preparado e independente.
Ao contrário de algumas pessoas -pelo visto muitas- que condenaram a sua recente entrevista com Fernando Collor, sou da opinião de que foi uma bola dentro. Por que não dar a palavra ao ex-presidente no momento em que ele manobra para voltar à vida pública? A alternativa a isso seria bani-lo da mídia, erro que não considero menos grave do que o de milhões de brasileiros que o colocaram no topo da República. E, suspeito por suspeito, há vários soltos por aí. Dois deles, e graúdos, estão até concorrendo à cadeira de Mário Covas.


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