São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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PERFIL / DRAUZIO VARELLA

Um dos médicos mais conhecidos da TV, o oncologista apresenta há quatro anos um programa de entrevistas no canal Universitário e, desde a semana passada, comanda uma série sobre o corpo humano no "Fantástico", da Globo. Autor do best seller "Estação Carandiru", ele ainda pode ser visto em vídeos sobre saúde exibidos em atrações do SBT. "Hoje, quando ando na rua, gritam: "Olha o médico do Ratinho'", surpreende-se.

ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL

De que maneira a TV pode ajudar a conscientizar a população sem ser necessariamente -ou excessivamente- "educativa", muitas vezes sinônimo de chatice?
Essa não é uma tarefa fácil, porque você tem de encontrar uma linguagem coloquial para a televisão à qual os médicos não estão normalmente acostumados. Eles são treinados com um rigor científico que torna sua fala pouco atraente, até chata mesmo. E, se você está vendo uma pessoa falar e não entende uma frase, depois não entende outra... o mundo moderno é muito rápido, ninguém fica perdendo tempo com coisas que não é capaz de entender. Esse é o primeiro desafio. O segundo é que os meios de comunicação estão um pouco atrás da sociedade nesse aspecto, não perceberam que sistemas de saúde são temas de grande interesse para a população. E há falta desse tipo de informação qualificada.
E há momentos em que a TV acaba atrapalhando o trabalho do médico? Ela é "deseducativa" às vezes?
É difícil dizer isso de modo geral. Mas há coisas que, sim, são mal colocadas e atrapalham... Não é só na TV, não. Veja os jornais, por exemplo. Às vezes está escrito na primeira página: "Desenvolvida uma nova arma contra o câncer", mas, quando você vai ver, lá no final da notícia vem a explicação de que era uma experiência de um grupo de cientistas da Universidade de Nevada com ratos. Ou seja, algo absolutamente distante da aplicação clínica. Falta critério para avaliar a importância de cada notícia. E isso vale para a TV também. Os telejornais têm muito interesse na pirotecnia da medicina. Talvez isso aconteça porque ainda estamos começando a ter uma geração de jornalistas treinados em saúde.
O Ratinho já disse que a função dele é fazer entretenimento, que TV é uma empresa e que educar é um trabalho para o governo. O sr. acha que a televisão deveria ter um papel social?
O Ratinho está certo quando diz isso, TV é um empresa comercial, mas acho esse comportamento pouco ético. As emissoras vivem do lucro que recebem dos anunciantes e não têm obrigação de nada, porém é uma concessão pública. Isso implica responsabilidade social. Do ponto de vista ético, esse tipo de observação do Ratinho é inaceitável. Não acho que a TV tenha a obrigação de fazer um ensino didático, mas há tanta coisa a ser feita. Se, por exemplo, o Ratinho falar em seu programa para os pais lavarem as mãos antes de mexerem com as crianças, para a mãe lavar o seio antes de amamentar, nós poderíamos praticamente acabar com a diarréia infantil no Brasil.
E quando aparece numa novela como "Laços de Família" uma garota de programa falando muito de vez em quando em camisinha. Não é uma gota num oceano?
Acho que isso ajuda, sim. Poderia ajudar muito mais, porém essas coisas vão sendo faladas, repetidas, as pessoas ouvem um pouco aqui e ali e vai ajudando.
O sr. acredita mesmo que proibir a veiculação de propaganda de cigarros na TV possa combater o fumo? E o que acha sobre os que dizem que isso seria censura?
Não há dúvida disso, há uma série de estudos que provam que isso reduz o consumo de cigarros. A indústria do fumo gasta um absurdo em propaganda de cigarro. Para quê? Quem já fuma não precisa de propaganda. É um dependente que precisa da droga para viver. Então a finalidade da propaganda é criar novos dependentes de nicotina -e quem são eles? As crianças de 13, 14 anos. A sociedade não pode admitir uma coisa dessas, ela tem a obrigação de proteger seus filhos. Proibir que se faça propaganda dessa praga epidêmica é o mínimo.
Como o sr. acabou se tornando tão conhecido na TV?
Dei aula em cursinho durante 20 anos, dos 18 aos 38 anos. Talvez por essa experiência como professor, com salas imensas, tendo de prender a atenção dos alunos, e também pela falta de médicos que tenham essa vivência anterior, acabei sendo chamado para falar na TV. São poucos os médicos que têm um desembaraço para fazer isso.
O sr. também tem um programa no canal Universitário...
Ele se chama "Dr. Drauzio Varella Pergunta" e já existe há quatro anos. Não tem coisa mais simples e despretensiosa que aquilo: são dois sofazinhos, com médicos convidados conversando sobre um tema de saúde. Tudo muito simples. O programa não tem produção, eu é que convido as pessoas para ir lá, às vezes eu mesmo maquio o entrevistado... e, no entanto, muita gente assiste, pois há falta desse tipo de informação qualificada.
E agora o sr. também aparece em vídeos do Ministério da Saúde, no "Programa do Ratinho", no "Programa Livre", do SBT...
A agência DM9 contratou uma produtora e nós fizemos 42 vídeos em 1999. Eles foram exibidos nas TVs educativas de todo o Brasil, mas pouca gente viu. Parece que o ministério comprou o horário no SBT para transmitir essas mensagens sobre saúde. É engraçado porque passo na rua e falam: "Olha lá o médico do Ratinho". É estranho. A gente trabalha a vida toda para ser reconhecido como o "médico do Gugu" (risos).
E como o sr. acabou apresentando uma série no "Fantástico"?
São seis capítulos com imagens da BBC de Londres sobre o corpo humano. Quando me convidaram para esse trabalho, pedi para ver as imagens e fiquei encantado. A possibilidade de ter uma sala de aula para, sei lá, 50, 60 milhões de pessoas, com cenas dessa qualidade, me deixou fascinado. Apenas pedi à emissora para eu escrever o texto final -não sou apresentador de TV, tenho uma responsabilidade muito grande.



BLITZ
Nome completo: Antonio Drauzio Varella
Local de nascimento: bairro do Brás, em São Paulo
Idade: 57
O que vê na TV: "Nada, por absoluta falta de tempo"




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