São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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TV NO MUNDO
Caso Lewinsky funde realidade e ficção na TV

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

Sempre foi difícil avaliar mudanças no calor da conjuntura em que elas se anunciam. No mundo da comunicação eletrônica, fica mais difícil ainda delinear o que é fato inquestionável e o que é mero sensacionalismo e especulação sem maiores consequências.
No caso Mônica Lewinsky, o descompasso entre o crescimento econômico, os índices de aprovação da opinião pública ao presidente, os rumos das investigações do promotor Kenneth Starr e a cobertura televisiva reforçam a dificuldade em se distinguir o que é fato do que é ficção.
Há sete meses o envolvimento do presidente americano com a ex-estagiária da Casa Branca é pauta recorrente de programas televisivos os mais variados.
Por mais que o público americano tenha, de maneira surpreendente e consistente, manifestado seu desagrado com as proporções assumidas tanto pelas investigações, quanto pela cobertura da mídia, não foi capaz de deter o promotor, que continuou a alimentar os veículos de comunicação e o discurso oportunista da oposição republicana com informações novas sobre o caso.
Ainda que muitas vezes para afirmar constrangimento com a irrelevância do assunto, os inúmeros talk-shows noturnos, do alternativo "Politically Incorrect" ao clássico David Letterman, mantiveram o debate aceso. Inúmeros jornalistas de órgãos menores como o liberal "The Nation" foram a esses talk-shows levar sua noção iluminista da separação entre os domínios do público e do privado.
O excesso de apelo ficcional do evento, no entanto, não lhe retira no entanto a efetividade. Na segunda-feira, o presidente Bill Clinton fez sua confissão de frente. Seu olhar dirigido diretamente aos espectadores, contrasta com a postura enviezada com que evitou olhar para as câmeras em seu enfático desmentido de janeiro.
A enxurrada de informação e fofoca não se reduz a mero acontecimento virtual. O FBI, que já se dedicou a causas secretas de relevância estratégica e planetária, agora empenha seu saber técnico na investigação do sêmen do presidente. A instituição da presidência foi enfraquecida com a perda de privilégios como o que garantia a privacidade dos advogados do presidente, o direito de obstrução de alguns inquéritos e o direito do sigilo dos funcionários do serviço secreto.
De certo modo o caso Mônica Lewinsky está para os EUA assim como a queda do muro de Berlim está para o mundo soviético. De certo modo porque essa visão não encontra correspondência na economia.
Carcomido por dentro, o império socialista desmoronou por ineficiência econômica, excesso de burocracia e corrupção. Mas a economia americana vai muito bem e a sociedade de consumo daquele país é acessível a um número cada vez maior de pessoas. O que está em questão aqui é o significado dos fatos simbólicos, a capacidade que a representação televisiva possivelmente tenha de mudar o rumo das estruturas em direções inesperadas.


E-mail: ehamb@uol.com.br



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