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CRÍTICA
Saqueadores e bucaneiros nas tardes de domingo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Foi o álibi, ou a desculpa, de uma gripe daquelas que levou este colunista a passar o último
domingão prostrado
diante da TV. Foram ao
todo umas dez horas,
com muito zapping e pequenas interrupções. Um
dia que começa na companhia de Xuxa e termina
já tarde da noite na presença de Silvio Santos
talvez não seja muito digno de nota. Ainda assim,
arrisco um par de comentários a respeito dessa união do inútil com o
desagradável.
Visto em conjunto, o
domingo televisivo é
uma espécie de cassinolândia. Praticamente toda a programação está
organizada em torno do
caça-níquel pelo 0900. É
difícil entender, diante
do volume de ofertas e da
forma compulsiva com
que se tenta aliciar o espectador, que alguém
consiga sair ileso, sem
ceder aos apelos. A TV
foi tomada por saqueadores. O marketing mais
baixo e agressivo atravessa o dia como um zunido
que vai atazanando suas
vítimas até dobrá-las entre uma e outra atração.
Alguns desses bucaneiros eletrônicos trabalham em dupla, dividindo tarefas. Há o palhaço,
que distrai, e o engravatado, cuja função é dar
alguma credibilidade ao
bote nos domicílios. É o
caso da Manchete. Ali, o
"Domingo Total" começa com Sérgio Mallandro, sempre inimputável, e um almofadinha
que procura disfarçar sua
avidez com a máscara de
moço bem-intencionado.
Por um acaso, no último domingo o SBT realizava o tal Teleton, um dia
inteiro de programação
dedicado a arrecadar
fundos para uma instituição de caridade, a
AACD. Num país com
tantas carências, dirá o
leitor, alguém pode ser
contra uma iniciativa tão
nobre? Não se trata simplesmente de ser contra,
mas de entender como a
solidariedade se confunde com o negocismo, como o espírito comunitário, ou coisa que que o
valha, só é despertado no
espectador pelo artifício
da competição desenfreada. Não há como discernir, na iniciativa da
emissora, entre boas intenções e lobby de si própria. Instrumentalização
oportunista da solidariedade para fins que lhes
são totalmente alheios,
ou opostos, é o mínimo
que se pode dizer desse
tipo de coisa.
Mas o saque dominical
é mais variado. Aparece
também na devassa da
vida de pessoas famosas.
Xuxa tem um quadro
chamado "Intimidade",
no qual arranca segredos
de alcova de seus entrevistados. Faustão tem o
seu "Arquivo Confidencial", mais inofensivo, é
verdade, em sua profusão de revelações lacrimejantes. Os piratas da
intimidade, no entanto,
são Gugu Liberato e Otávio Mesquita, que aliás se
merecem.
Ambos têm quadros
que consistem em invadir a casa de algum astro,
supostamente sem o seu
consentimento, para então acordá-lo de supetão
e a seguir vasculhar seus
armários, pertences,
roupas íntimas, tudo o
que sua vocação de cão
farejador alcançar. A graça toda está nessa curiosidade quase ginecológica que o apresentador sacia sem nenhum escrúpulo.
Otávio Mesquita é o
mestre dessa arte. Bisbilhota e fuça banheiros e
gavetas com uma habilidade e uma desenvoltura
de assustar. Desnecessário dizer que está a um
passo da delinquência.
Gabava-se, no último domingo, de quase ter sido
preso ao tentar invadir os
quartos dos jogadores da
seleção brasileira em Teresópolis. É exatamente
desse tipo de comportamento que depende seu
preço nesse mercado de
iniquidades.
Walter Mercado, assim
como Athayde Patreze e
Ratinho, virou cult. Afora os coitados que acreditam em suas vigarices de
pacotilha, essa miniatura
de sábio que apavora sua
clientela diante de uma
bola de cristal vai conquistando simpatizantes
também pelo que tem de
caricato e kitsch. Parece
mesmo uma mistura de
Gugu Liberato com Marici Trussard. O fato de
que seus seguidores apareçam quase sempre passeando por Miami, e digam que o fazem por indicação sua, não deixa de
ser sugestivo. Quem sabe
não venha por aí a Mercadolândia, uma Disney
do ocultismo instalada
exatamente no templo
que melhor exprime o
que há de pior no capitalismo.
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