São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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TV NO MUNDO
"Murphy Brown' sai por baixo

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha, de Austin

Os tempos são de auto-exame. Depois da catarse provocada pelo final auto-reflexivo de "Seinfeld", "Murphy Brown", comédia estrelada por Candice Bergen, que, em 1992, causou a ira do vice-presidente republicano, também encerrou atividades com auto-reflexão.
"Seinfeld" saiu em alta. "Murphy Brown" saiu derrotada pelo frescor contemporâneo de "Ally McBeal", que vai ao ar no mesmo horário na Fox. Ambos tomam parte do olhar autocrítico que parece ter se abatido sobre a televisão americana desde que os paparazzi foram acusados de se omitir de tentar socorrer a princesa Diana.
Enquanto o "show sobre nada" causou frisson porque recusou o contrato milionário, "Murphy Brown" se despediu em baixa. O último episódio foi chato e teve poucos bons momentos.
"Murphy Brown" encarnou o ideal de mulher feminista e politicamente correta do final dos anos 80. Irreverente, executiva e bem-sucedida, teve seu momento de glória quando engravidou e resolveu ter um filho sozinha, legitimando o modelo da mãe solteira no horário nobre da CBS.
O episódio envolveu polêmica entre a segunda autoridade pública da maior potência do planeta e uma personagem de ficção televisiva devidamente representada pela atriz que a encarnava.
O bate-boca, entre o político eleito e a figura meio virtual, na época ocupou as primeiras páginas dos jornais e gerou campanha de solidariedade na convenção republicana.
Murphy teve o filho, mas ele não apareceu muito na história, que voltou ao seu curso anterior e foi perdendo a força.
O tema da última estação, o câncer de mama, fez a personagem aparecer mais como uma resignada assistente social fazendo um programa de saúde preventiva do que como a jornalista que um dia saltou do domínio da ficção para o centro da cena política norte-americana.
"Ally McBeal" está muito mais conectada com as ansiedades do momento. A executiva não precisa mais demonstrar do que é capaz na profissão pública. Como que recuperando uma dimensão perdida, para arrepio de feministas, o desafio está em se realizar no casamento.
No final de "Murphy Brown", Jim, o âncora do telejornal fictício, reconhece que perdeu a graça. O show saiu de sintonia. E televisão é assim. Mas televisão é também indiscrição e voyeurismo.
"Seinfeld" tematizou a banalidade de pequenas infrações cometidas por heróis sem caráter, transformadas em assunto de grande relevância pelo olhar indiscreto das câmeras.

E-mail: ehamb@uol.com.br



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