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TV NO MUNDO
O real e o falso nos 'reality-shows'
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
Há algum tempo abordei
nesta coluna o escândalo
em torno da descoberta de
que casos apresentados no
programa de Jerry Springer, sucesso nos Estados
Unidos no gênero sensacionalismos da vida pessoal, não eram autênticos.
A reportagem do TV Folha do último domingo revelou que o "Programa do
Ratinho" utiliza práticas
semelhantes. Indivíduos
recrutados em bairros pobres da Grande São Paulo
gravam cenas de falso flagrante e representam roteiros transmitidos por intermediários da produção
do programa. Recebem
um cachê por sua performance.
Na era da comunicação
eletrônica, efeitos especiais
permitem a criação de
quase tudo a partir de fragmentários pontilhados milimétricos. As imagens não
só são reprodutíveis, como
carecem de massa e de
compromisso com um local ou tempo definido.
Paradoxalmente, em
meio a tantos ilusionismos, há um clamor por
autenticidade, realidade,
verdade. Em uma época
em que é possível simular
praticamente tudo, as pessoas buscam os resquícios
da terra firme, da materialidade corpórea.
O sucesso dos "reality-shows" como o nome
do gênero já diz, vem da
idéia de que esses programas exibem "a vida como
ela é", como dizia a vinheta do "Aqui, Agora".
A câmera treme nas coberturas em flagrante. A
qualidade precária do vídeo caseiro serve como
evidência de que o registro
é improvisado de verdade,
como se o acontecimento
tivesse pego os repórteres
de surpresa. Ou como se os
cinegrafistas fossem mesmo tão amadores ao ponto
de não ter conhecimento
técnico para gravar sem
tremer ou para editar o
material gravado.
Mas a invenção não
acontece só no filme carregado de efeitos. Eis que até
mesmo os shows que utilizam uma linguagem nua e
crua também inventam. A
narrativa sensacionalista
característica do mundo
cão, supostamente mais
autêntica e mais popular,
também é inventada.
Aqui, a invenção da linguagem não se esconde
sob os mistérios de técnicas sempre renovadas.
Trata- se da armação simplória, da encenação de cenas extremadas improvisadas por pessoas que não
são atores. Se a performance mais realista é fictícia,
que verdade resta nas imagens televisivas?
Em sintonia com as definições editoriais, espectadores alegam que gostam
dos "reality shows" porque eles retratam a realidade como ela é. A novela para eles é fantasiosa. O bom
é o caso verdadeiro, real,
por exemplo do pai que estupra a filha e, denunciado, se arrepende perante a
câmera, literalmente pressionado contra a parede.
A verossimilhança das
imagens televisivas é tal
que o senso comum diz
que, se aparece lá, é porque é verdade. Mas, com a
descoberta -aliás previsível dada a má atuação do
elenco- de que os "reality shows" não passam de
novelas baratas, baseadas
em microrroteiros anônimos, representadas por
atores de uma só performance e realizadas por diretores secretos, o que sobra da notícia?
E-mail:
ehamb@uol.com.br
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