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CRÍTICA
A Estrela, os pampas e o novo imaginário
IVANA BENTES
BANDEIRAS vermelhas agitadas por "manifestantes"
diante de um carro de luxo que tem uma estrela como marca. A campanha do Étoile, da Citröen, carro que custa R$ 42 mil, já se adequou à nova imagem do
Brasil, se apropriando do vocabulário e DA iconografia da esquerda. "Enfim a socialização do conforto e da beleza! Tome
posse" é o slogan do comercial.
A conversão mágica dos valores aconteceu. Estamos bem
distantes dos anos 90, quando um cartão de crédito se apresentava como "o cartão de quem
não precisa", tendo como símbolo um jovem casal no verão de
Paris, tomando champanhe no
café da manhã. Passamos do esnobismo ao populismo. Faz realmente diferença?
Além do alvoroço publicitário
com os signos da esquerda, estamos assistindo a uma outra conversão mágica dos valores, na
geografia televisiva.
Depois de superexpor a zona
sul carioca e os Jardins paulistas,
palcos privilegiados das novelas,
a ficção televisiva foi se estendendo para o Brasil rural dos coronéis em conflito com a plebe rude. Criou uma Bahia cenográfica, chegou aos sertões, passou
pelo Pantanal e recentemente descobriu a favela ("Cidade dos
Homens").
Com "A Casa das Sete Mulheres", minissérie da Globo, a televisão finalmente chegou aos pampas gaúchos, tirando o Rio
Grande do Sul da sua exclusão simbólica. É que Estados, culturas e regiões inteiras vêm sendo lentamente "anexadas", via
TV, ao imaginário da nação. Curiosamente, a Amazônia, lugar mítico da nacionalidade, rendeu uma única novela (na
Manchete, um fracasso) e incontáveis e repetitivos "Globo
Repórter", que parecem condenados ao fascínio morno do
olhar turístico-ecológico.
Os pampas agora entram para a "estória". Em "A Casa das
Sete Mulheres", a Revolução Farroupilha segue o modelo
hollywoodiano do cinema histórico e vira pano de fundo para
o folhetim, o grande espetáculo visual e a encenação das tradições. A geografia, hipervalorizada num paisagismo de cores e
efeitos visuais, concorre com o melodrama. A encenação das
tradições rivaliza com a trama novelesca de sempre, histórias
de amor impossíveis, frágeis e fortes donzelas que lutam por
garanhões de capa e espada.
Definitivamente, a TV concorre com a história, e os autores
de TV têm status de novos historiadores, com todas as ambiguidades que vêm daí. Hollywood já fez a conversão há muito
tempo, e, desde então, ficou difícil
achar que Cleópatra não tinha a cara
de Elizabeth Taylor.
Esse nacional-publicitário-brasileiro, mais folclore, mais povo, mais Brasil, já vem sendo capitalizado há algum tempo pela TV. Neonacionalismo que vai aplainando as diversidades e radicalidades regionais: integrando todas as diferenças a essa
identidade nacional fossilizada, como
vimos na comemoração oficiosa dos
500 anos do Brasil, que tentou, sem
sucesso, convencer que as nações indígena e negra tinham o mesmo status da nação branca brasileira.
A TV absorveu e popularizou certo nacionalismo retrógrado, o velho nacional-popular, graças a uma linguagem moderna e eficiente. Um avanço! Muita gente vai dizer. E, sem
dúvida, devemos nos orgulhar da nossa TV-Nação, quando
ela busca propostas mais autorais.
Mas é preciso desconfiar desse nacional-popular televisivo
descoberto pelos publicitários. Neste exato momento, acontece, em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial, onde se agitam bandeiras internacionalistas, de todas as cores. A diversidade cultural desloca todos os nacionalismos fundamentalistas e dá novo sentido à identidade nacional.
Quantos anos serão precisos para a TV incorporar esse outro imaginário?
Ivana Bentes, 38, é crítica e pesquisadora de cinema, audiovisual e novas mídias, além de professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura da UFRJ.
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