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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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Crítica

O que elas não devem aprender com eles

BIA ABRAMO

SE OS SERIADOS têm bastante a ensinar às novelas em termos de ritmo, timing e caracterização de personagens, as novelas brasileiras poderiam também dar sua contribuição no sentido de torná-los menos caretas, moralistas e conservadores.
As novelas da Globo, bem ou mal, continuam trazendo algumas marcas inovadoras e críticas, no que diz respeito aos costumes. Em "Mulheres Apaixonadas", por exemplo, o autor Manoel Carlos parece estar fazendo uma espécie de laboratório de comportamentos sexuais e amorosos femininos, até agora quase que sem peias. Tem moça querendo padre bonito, amor de mulher madura com adolescente, paixão de menina nova, mulheres disputando o mesmo homem, arrivista usando o sexo para tentar subir na vida, mulher casada que joga tudo para o alto... A libido feminina corre solta e em várias modalidades na novela das "oito".
Não que toda essa variedade queira dizer que os espectadores aceitem de fato ou aprovem moralmente todos esses comportamentos, e nem que tudo vá passar pelo crivo do público. Ainda que alguns desses comportamentos mais ousados tendam a sumir numa guinada de roteiro -o caso mais notório é o do casal de lésbicas mortas numa explosão de um shopping, numa novela de Silvio de Abreu- ou amenizar-se numa correção e rumos da história, por algum tempo o público topa conviver com eles, mesmo que seja para mostrar-se mais ou menos chocado.
É como se a novela sugerisse ao espectador exercitar a tolerância, com a garantia de que, no momento em que a situação ultrapassar o suportável, a novela dá um jeito nisso. Será assim, por exemplo, com o casal de lésbicas adolescentes em "Mulheres Apaixonadas", cujo destino será decidido pelo público, que, para decepção da comunidade GLS, deve ser o mais conservador, sobretudo porque as garotas são muito jovens.
Já nos seriados norte-americanos, há uma espécie de acordo com o espectador que vai no sentido oposto, ou seja, em troca de entretenimento mais garantido, mais afinado e, num certo sentido, mais descompromissado com o espectador, em algum momento algum traço da moralidade vai dar seu bote.
Um exemplo, tomado ao acaso na semana retrasada, pode ilustrar essa diferença. No episódio de "Gilmore Girls" daquela semana, vimos Rory, a filha adolescente de uma mulher ainda bastante jovem (ou seja, que engravidou na adolescência) conversando com uma amiga, Paris, sobre a primeira vez desta. A mãe entreouve a conversa, no momento em que a filha confessa à amiga que não transou com o namorado, e pensa, em voz alta: "Minha filha é a melhor". Ao mesmo tempo, tanto Paris quanto Rory, que competem ferozmente por notas e outros feitos acadêmicos, estão esperando as cartas de admissão nas universidades mais conceituadas dos Estados Unidos.
Rory nunca fez sexo com o namorado "porque achou que não era hora"; Paris acabou de transar. Adivinhem quem será recompensada? Acertou quem apostou na solução mais idiota, careta e óbvia: ao final do episódio, sabe-se que Paris não foi admitida em Harvard, enquanto a casta Rory teve como prêmio pela virgindade mantida a múltipla admissão em Harvard, Princeton e Yale.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br


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