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CRÍTICA
A política em ruínas
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Faltam poucos dias para o encerramento da
propaganda eleitoral pela
TV. Alguns a chamam,
inapropriadamente, de
horário político. Deve ser
a título de cortesia.
Saltamos da censura
oficial imposta aos candidatos no período do regime militar à era da ditadura da publicidade midiática, sem termos passado pelo aprendizado
democrático. Trocamos
Armando Falcão por Duda Mendonça.
O primeiro sintetizava
em sua figura carrancuda
uma época cinzenta em
que, no seu bordão, não
havia nada a declarar. O
segundo, conforme relata uma revista famosa
que o transformou recentemente em tema de
capa, é simpático, falante, consome livros de auto-ajuda de forma voraz
e, quando o stress ameaça derrubá-lo, se estica
num divã em seu escritório para relaxar ouvindo
música new age. O homem do passado e o homem do futuro -símbolos de duas épocas.
Nos tempos da farda, o
problema estava em anular qualquer oposição
cassando qualquer palavra que pudesse pôr em
risco a legitimidade fajuta de um regime de força.
Hoje, sob a batuta dos
magos da urna -os publicitários-, a censura é
branca, opera por multiplicação de imagens e palavras, por um excesso de
mensagens, discursos e
pirotecnias que criam
uma espécie de balbúrdia
entrópica, onde tudo
tende a se indiferenciar e
anular reciprocamente.
É curioso ver como a
política evaporou do horizonte. Não é possível
reconhecer nas campanhas quaisquer diferenças ideológicas ou divergências programáticas
entre os candidatos. Essas estão por assim dizer
ilhadas em siglas nanicas,
cujos representantes assumem aos olhos do espectador um aspecto
quixotesco. São tipos como Chapolim, a versão
latina e subnutrida do super-homem.
Os programas eleitorais
se dirigem cada vez mais
ao consumidor privado
-e usam as técnicas habituais da publicidade
para aliciá-lo. Na época
em que a política se tornou um ramo do marketing e, além disso, tem
um quê de diversionismo
de massas, não faz mesmo muito sentido apelar
à consciência do cidadão.
Pode parecer um certo
exagero, mas a própria
noção do que seja um cidadão está se tornando
peça de museu. Recentemente, uma ministra de
Estado do atual governo
escreveu um artigo na seção "Tendências/Debates" desta Folha cujo título era "O brasileiro como cliente". Isto é, o Estado agora é visto como
uma empresa (enxutinha, obviamente) e o cidadão como um cliente
que compra os seus serviços. A idéia de que a administração pública é
-deveria ser- um instrumento de garantia de
direitos coletivos e de
distribuição de renda
(via impostos por exemplo) foi substituída pela
visão privatista do Estado e do cidadão.
A contrapartida dessa
despolitização, da redução da política à administração privada das coisas,
é a estetização da política.
O fascismo abusou desse
recurso, como se sabe. A
publicidade televisiva o
recicla e potencializa.
Despolitização e estetização temperam em doses
igualmente hiperbólicas
a campanha de TV de um
certo candidato ao Senado por São Paulo, para ficar apenas num exemplo
didático.
Não foi à toa que um
grande jornalista francês,
Ignacio Ramonet, autor
do livro "Geopolítica do
Caos" (disponível em
português pela coleção
"Zero à Esquerda", da
editora Vozes), inventou
o neologismo "era globalitária" para caracterizar os dias que correm.
Diz ele que o novo totalitarismo -o dos mercados e da lógica inexorável
da economia- não precisa mais sufocar seus
opositores, censurar a
imprensa, impedir o livre
funcionamento das instituições. Pelo contrário,
ele as estimula na medida
exata em que toda essa
ilusão democrática vai
perdendo capacidade de
se constituir num contrapeso ao curso autodestrutivo do capitalismo.
Para pensar na cama, como diz o outro.
Momento cultural de
Hebe Camargo na última
segunda-feira: um certo
grupo musical chamado
"Fat Family" foi ao seu
programa. Eram seis ou
sete, todos negros, gordos, imensos e felizes.
Hebe, depois de puxar a
barba de um deles e dizer
que o pêlo era duro, pediu a todos que exibissem
os dentes diante da platéia, porque os dentes
dos negros eram lindos,
uma gracinha. Dito e feito: todos mostraram sorridentes e dóceis suas
gengivas às câmeras. Herança colonial também é
isso. Lembranças da senzala. Vindo de quem
vem, não é novidade.
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