São Paulo, domingo, 27 de setembro de 1998

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TV NO MUNDO

Lewinsky é paradoxo americano

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

Há exatos oito meses em evidência, o escândalo sexual que envolve a Casa Branca contou com o desdém constante da opinião pública dos Estados Unidos. Desde as primeiras sondagens, os americanos demonstraram seu entendimento de que o caso dizia respeito à pessoa Bill Clinton, e que portanto não deveria envolver seu desempenho público na condução da presidência.
As redes de TV aberta encomendam e divulgam pesquisas frequentes que indicam a reação dos cidadãos-espectadores. Os políticos, o promotor independente, os noticiários e os analistas políticos levam em conta essas medições na definição de suas táticas e estratégias.
Os primeiros números divulgados após a exibição do depoimento do presidente confirmaram a rejeição da população a um eventual processo de impeachment. A opinião dos americanos é reforçada pelo apoio de líderes mundiais ao presidente Clinton. E, se uma pesquisa global de opinião fosse conduzida, certamente constataria que os espectadores do mundo todo consideram o caso ridículo.
Apesar de todos esses apoios somados, o caso Monica Lewinsky não abandonou a agenda do promotor independente Kenneth Starr, nem as pautas dos noticiários, programas de reportagem, como o "Nightline", e comédias, como o "Saturday Night Live". Segundo o "Show Bizz" da CNN, o assunto se tornou mesmo um "hit" no rádio.
A operação montada para cobrir a visita do Papa João Paulo 2º a Cuba, em janeiro, foi interrompida pelo retorno apressado dos principais jornalistas, como Peter Jennings, chamados para relatar o que à época foi considerado como a "real story". A atual crise mundial passa ao largo da atenção do país que detém mais recursos para contê-la.
Como explicar que uma televisão comercial, regulada pelo mercado, como é a americana, tenha se oposto a indicadores que apontam para uma opinião tão consistente, sensata e generalizada?
É como se o caso Monica Lewinsky levasse ao paradoxo traços intrínsecos da democracia americana. As leis são respeitadas, o que é uma qualidade. Mas as leis são marcadas pelo puritanismo e não distinguem o domínio público do privado. E nesse caso o respeito à ordem pública legitima um esforço patético e possivelmente armado de escrutinação da vida privada do presidente. Além de uma discussão surreal sobre o conceito de sexo.
Talvez pela primeira vez na história um governante se submeta à expiação pública. E o faz seguidamente via TV em transmissão direta para o mundo. Na figura de seu presidente, o Estado americano parece desmoronar simbolicamente pelo exercício ao pé da letra de seus princípios.
A maioria das nações perdeu força com globalização. A forma mais comum de enfraquecimento nacional é a perda do controle sobre a moeda. A forma que assume a decadência da nação americana é no mínimo original.

E-mail: ehamb@uol.com.br




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