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TV NO MUNDO
Lewinsky é paradoxo americano
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
Há exatos oito meses em
evidência, o escândalo sexual que envolve a Casa
Branca contou com o desdém constante da opinião
pública dos Estados Unidos. Desde as primeiras
sondagens, os americanos
demonstraram seu entendimento de que o caso dizia respeito à pessoa Bill
Clinton, e que portanto
não deveria envolver seu
desempenho público na
condução da presidência.
As redes de TV aberta
encomendam e divulgam
pesquisas frequentes que
indicam a reação dos cidadãos-espectadores. Os políticos, o promotor independente, os noticiários e
os analistas políticos levam em conta essas medições na definição de suas
táticas e estratégias.
Os primeiros números
divulgados após a exibição
do depoimento do presidente confirmaram a rejeição da população a um
eventual processo de impeachment. A opinião dos
americanos é reforçada
pelo apoio de líderes mundiais ao presidente Clinton. E, se uma pesquisa
global de opinião fosse
conduzida, certamente
constataria que os espectadores do mundo todo consideram o caso ridículo.
Apesar de todos esses
apoios somados, o caso
Monica Lewinsky não
abandonou a agenda do
promotor independente
Kenneth Starr, nem as
pautas dos noticiários,
programas de reportagem,
como o "Nightline", e comédias, como o "Saturday Night Live". Segundo
o "Show Bizz" da CNN, o
assunto se tornou mesmo
um "hit" no rádio.
A operação montada para cobrir a visita do Papa
João Paulo 2º a Cuba, em
janeiro, foi interrompida
pelo retorno apressado
dos principais jornalistas,
como Peter Jennings, chamados para relatar o que à
época foi considerado como a "real story". A atual
crise mundial passa ao largo da atenção do país que
detém mais recursos para
contê-la.
Como explicar que uma
televisão comercial, regulada pelo mercado, como é
a americana, tenha se
oposto a indicadores que
apontam para uma opinião tão consistente, sensata e generalizada?
É como se o caso Monica
Lewinsky levasse ao paradoxo traços intrínsecos da
democracia americana. As
leis são respeitadas, o que é
uma qualidade. Mas as leis
são marcadas pelo puritanismo e não distinguem o
domínio público do privado. E nesse caso o respeito
à ordem pública legitima
um esforço patético e possivelmente armado de escrutinação da vida privada
do presidente. Além de
uma discussão surreal sobre o conceito de sexo.
Talvez pela primeira vez
na história um governante
se submeta à expiação pública. E o faz seguidamente
via TV em transmissão direta para o mundo. Na figura de seu presidente, o
Estado americano parece
desmoronar simbolicamente pelo exercício ao pé
da letra de seus princípios.
A maioria das nações
perdeu força com globalização. A forma mais comum de enfraquecimento
nacional é a perda do controle sobre a moeda. A forma que assume a decadência da nação americana é
no mínimo original.
E-mail: ehamb@uol.com.br
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