São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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Tudo por uma novela

João Wainer/Folha Imagem
O mestre em telenovela pela USP Mauro Alencar, 36, que assiste a todas as novelas e está vendo a primeira versão de "Selva de Pedra" pela sexta vez



Aficionados por teledramas, telespectadores gravam tramas inteiras, passam horas revendo títulos exibidos pelas emissoras e montando acervos pessoais sobre o tema


RUI DANTAS
ALEXANDRE MARON
da Reportagem Local

Com 16 produções em exibição, a TV brasileira nunca mostrou tantas novelas como atualmente.
Os teledramas têm ocupado cerca de 14h30min na programação diária das emissoras e canais pagos, segundo levantamento feito pela Folha.
Ainda que possa parecer muito tempo dispensado a um único tipo de programa, há aqueles que gostam da variedade de opções.
Fanáticos pelo gênero, os "noveleiros" defendem a grande quantidade de novelas em exposição. E não se incomodam de programar vídeos ou ver duas novelas ao mesmo tempo.
É o caso do consultor de novelas da Globo Mauro Alencar, que assiste a todas as novelas "profissionalmente". Com mais de 2.000 fitas de vídeo contendo capítulos de novelas, Alencar ainda é dono de um acervo com objetos relativos ao gênero.
"A minha vida é isso. Meu envolvimento com novelas é o dia inteiro, todos os dias", afirma.
Para ele, "a teledramaturgia brasileira é superior em qualidade ao que se faz nos outros países", o que justificaria a existência de tantas produções.
Fanático por novelas, Alencar é capaz de repetir, sem pestanejar, alguns diálogos de "A Escrava Isaura", trama exibida pela Globo em 1976 e 77 (leia texto na página ao lado).
A empresária Dayane Emi Tashida Maiolo, 22, é um outro exemplo de aficionado. Descendente de japoneses, Dayane se mudou para o Japão em 1995.
Durante dois anos e meio, a empresária viveu na cidade de Shukugawara, próxima a Kawasaki. Nessa época, trabalhou em uma loja de conveniência, mas engravidou e, então, optou por ficar em casa.
Sem muitas opções de lazer, Dayane passou a comprar fitas de vídeo com capítulos de novelas brasileiras para matar o tempo.
Segundo a empresária, uma brasileira descendente de orientais, que vivia há 10 anos no Japão, era quem comercializava as fitas. Dayane acha que o negócio não era legalizado.
"Comprava mais de 30 fitas por novela. Cada uma das fitas custava cerca de US$ 2", lembra.
Entre as tramas a que assistiu estão "O Rei do Gado", "Explode Coração", "Quatro por Quatro", "Quem É Você" e "O Fim do Mundo".
"Perdi a conta de quantas vi. Pegava as fitas e assistia a tudo em dois ou três dias, direto", afirma.
Segundo a empresária, que hoje é dona de um restaurante em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo), ela e o marido, Oriel Maiolo Filho, 23, chegaram a discutir por causa da quantidade de novelas.
"Meu marido não aguentava mais. Ele queria vender o vídeo e dizia que, depois que eu comecei a comprar as fitas, não se via outra coisa em casa."
Ao voltar ao Brasil, em 97, Dayane preservou o costume de acompanhar novelas. "Hoje assisto às novelas das seis, das sete e das oito. E acompanho "Hilda Furacão'."
A aposentada carioca Wanda França Rocha, 56, coleciona mais de 1.500 fitas de vídeo com novelas. Mesmo assim, rejeita o rótulo de "noveleira".
Wanda começou a gravar as novelas em 1986, pois queria "ter programas de qualidade" para acompanhar depois da aposentadoria.
Começou gravando especiais, passou para minisséries e, por fim, os últimos capítulos de novelas.
"E chegou ao estado terminal, que é gravar uma novela inteira", diz o filho de Wanda, Fábio França Rocha, 30.
Com quatro televisores -e quatro vídeos- em casa, a aposentada não sabe programar os aparelhos para gravar novelas automaticamente.
Wanda é obrigada, então, a acompanhar todos os capítulos dos teledramas que quer gravar para cortar os comerciais.
"Só peço para alguém gravar para mim quando preciso sair", diz.
Entre outros títulos, ela tem "Por Amor", "Renascer", "Pantanal" quase na íntegra, e está disposta a gravar "Serras Azuis", a nova produção da Band.
Já o comerciante Valmir de Faria, 34, diz ter outros motivos para acompanhar telenovelas.
Dono de uma padaria em Ribeirão Preto, Faria não pode deixar o estabelecimento e por isso passa as tardes e noites no local com uma TV ligada na Globo e outra, portátil, nos demais canais.
"A novela faz parte da cultura brasileira. Não há o que ver na TV além delas", afirma.
Professores do Núcleo de Telenovela da USP concordam que os teledramas fazem parte do imaginário dos brasileiros.
"O melodrama empolga o mundo todo e especialmente os latino-americanos", explica Maria Aparecida Baccega, da USP.




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