São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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Desafio ao perigo

André Sarmento/Folha Imagem
Modelo de microcâmera usado pelos repórteres investigativos



Depois da morte de Tim Lopes, repórteres de TV que já arriscaram a vida em busca da notícia contam suas histórias e dizem que vocação é fundamental


FERNANDA DANNEMANN
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NEM SÓ de histórias trágicas como a da morte do jornalista Tim Lopes é feito o jornalismo investigativo na TV. Na maioria absoluta das vezes, o resultado é a descoberta de crimes que, não fosse a coragem de jornalistas novos ou experientes, continuariam ocultos. "O que aconteceu com o Tim não acontece todo dia", diz Roberto Cabrini, 41 anos, 25 de profissão. Foi Cabrini que, depois de três meses de investigação, descobriu o ex-tesoureiro de Fernando Collor, Paulo César Farias, escondido em Londres. Para os jornalistas investigativos, a microcâmera é vista como instrumento de trabalho semelhante à caneta ou o lap top. "O problema é que ela foi banalizada", critica Marcelo Rezende, 50, mais de três décadas de profissão e um dos primeiros a usar o equipamento. "Ela ficou fashion, e agora não há mais critério. É usada pra fazer pegadinha ou dar flagrante em camelô", afirma. Aldir Ribeiro, 49, 13 anos de profissão e hoje na TVE, lamenta que a palavra do repórter esteja perdendo espaço para a imagem. "A TV virou show, quer mostrar o cara com a arma, a garota se prostituindo. Sem a imagem, nosso testemunho perde a força. Reconheço a importância da câmera oculta", diz. Marques Casara, 35, que já fez reportagens do gênero para o "Fantástico" e o extinto "Documento Especial", diz que a função exige responsabilidade. "Se houver um erro de avaliação por conta da tensão ou da ânsia de se conseguir uma boa matéria, ela [a microcâmera" pode danificar irremediavelmente a imagem de uma pessoa." Segundo Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação -onde o uso do equipamento é restrito-, a microcâmera só é utilizada depois de "exaustiva investigação e confirmação de que há algo de interesse público que não pode ser registrado de outra forma". Foi o que fez Martha Esteves, 39, em 1995, quando a Rede Globo recebeu denúncias de que um ginecologista do INSS abusava das pacientes. "Filmei três consultas. Numa delas, ele me deixou sozinha por 25 minutos e temi ter sido descoberta. Pensei até que poderia morrer ali", conta a repórter, que ouviu as pessoas falando mal dela nas ruas e ainda se constrange quando encontra o médico nas audiências -ele processou vários órgãos de imprensa. "Muita gente confundiu meu papel. O juiz insinuou que eu tinha ido de calcinha vermelha pra seduzir o médico. A calcinha era enorme e marrom, escolhida com cuidado para não ser sexy", diz a repórter.

Segurança
Segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, Nassif Elias, seria preciso discutir a segurança nesse tipo de reportagem. "Mas os próprios jornalistas dizem que um esquema de proteção inviabilizaria o trabalho", afirma ele.
Cabrini atesta: "Se você chegar com aparato, é o mesmo que avisar que está investigando". Para Marcelo Rezende, "a segurança é a observação, e o treinamento, a experiência".
Aldir Ribeiro, ex-"Documento Especial" e "24 Horas", vai além: "O que é que dois guarda-costas podem fazer diante do armamento que há num morro? E, se levar rádio, é mais uma coisa pra te denunciar". Entretanto, ele questiona a ida de Tim Lopes ao baile funk dos traficantes. "O Tim sabia como agir. Mas como é que um cara de 50 anos vai investigar um baile funk, onde a faixa etária não passa dos vinte e poucos anos?"
Marcelo Rezende diz que "ninguém é forçado a nada. A gente descobre um fato e pede pra fazer a matéria". Erlanger argumenta que, por estar prestando um serviço social, o repórter muitas vezes se sente imune.
Unânimes quanto ao medo, que consideram um limite para que não se exponham demais, os jornalistas investigativos geralmente se acostumam às ameaças e até passam a vê-las como um sinalizador de que estão no caminho certo.
"No caso do Tim, não sei se houve intenção articulada e política contra a liberdade de expressão, mas, na prática, eles conseguiram amedrontar a imprensa, porque ninguém mais quer subir morro", diz Erlanger.
Aldir, por exemplo, dá "graças a Deus" por não fazer esse tipo de trabalho há quatro anos. "Quando a matéria vai ao ar e os caras começam a ligar para a emissora, dá uma tremenda paranóia. Qualquer pessoa que te olhe na rua faz pensar que está sendo reconhecido", diz.
Frederico Roriz, 34, que também integrou a equipe do "24 Horas", e há cinco anos investigou grupos de extermínio na Baixada Fluminense, também está impressionado. "Depois do que aconteceu com o Tim, só faria esse tipo de matéria de novo se tivesse segurança", afirma.



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