São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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TV NO MUNDO

Globo de Ouro premia julgamentos

ESTHER HAMBURGER
em Austin

O julgamento moral está na pauta na televisão nos Estados Unidos, no noticiário e nos seriados. Numa mais que espichada novela, o Congresso examina as evidências, convoca testemunhas, se delicia com a publicidade advinda do exame da vida amorosa do presidente Bill Clinton.
Como que seguindo a onda, "Ally McBeal" e "O Desafio", seriados que a Fox exibe nos EUA e no Brasil às segundas-feiras, lideraram as premiações do Globo de Ouro, no último domingo. Os dois seriados versam sobre batalhas jurídicas em torno da legitimidade de condutas morais.
A investigação criminal, os procedimentos da acusação e da defesa e o embate regulado pelas armas da lei estruturam o debate sobre a propriedade ética de determinadas condutas não claramente previstas no texto legal. O julgamento oferece um instrumento legítimo, reconhecido por todos como capaz de encontrar padrões adequados do certo e do errado.
Os julgamentos da ficção são também pretextos para o comentário de costumes. Conversas íntimas e situações engraçadas acontecem entre colegas no banheiro do escritório dos jovens advogados.
Os desajustes e inadequações da mulher moderna são tratados com humor. As grandes questões morais são relacionadas ao universo mais barra-pesada dos assassinatos violentos. A firula da lei em geral é evocada para garantir a vitória dos mais justos.
No Brasil, as investigações criminais são conhecidas por não reconstituírem os fatos e por embasarem julgamentos nem sempre confiáveis. Uma Justiça lenta, tida como corrupta e incapaz de ditar rumos a serem realmente adotados, não serviu de metáfora para a ficção.
Ao sul do Equador, o romantismo e o personalismo do melodrama se desenvolveram mais do que o seriado legal. Aqui a vida pública talvez nunca tenha chegado mesmo a ser regida pelos mecanismos impessoais que garantiriam a lisura da vida coletiva.
Nos Estados Unidos, a investigação criminal vinha servindo de metáfora para ilustrar a pesquisa em busca da verdade. O procedimento burocrático dos processos jurídicos parecia ser capaz de terminar em veredictos confiáveis.
Mas a narrativa infindável da soap-opera parece ter contagiado a lisura racionalista dos processos jurídicos. Casos como o de O.J. Simpson mobilizaram o mundo.
E no interminável julgamento de Bill Clinton, as minúcias da lei chegam ao limite do absurdo. Aqui trata-se de discutir definições conceituais para os atos mais essenciais. O seriado legal aqui parece ter perdido a força para uma narrativa mais do tipo soap-opera, as novelas americanas que não têm fim porque seguem o ritmo da vida.


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