São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



Próximo Texto | Índice

CRÍTICA
Televisão transforma Luz Vermelha em mico de circo

Marina Azevedo/Folha Imagem
João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha, dá entrevistas ao deixar a prisão em Taubaté


FERNANDO DE BARROS E SILVA
Colunista da Folha

A forma pela qual a TV se dedicou à cobertura "jornalística" do personagem João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha, ilustra antes a delinquência do veículo do que aquela que se atribui ao marginal.
O que se viu durante a semana em diversos canais é prova mais do que suficiente de que nos encaminhamos para o estágio da sarjeta moral.
Luz Vermelha é um pobre diabo brasileiro. Desdentado, não consegue sequer falar; lunático, não é capaz de distinguir delírio de realidade. Traz nas expressões do rosto as marcas da humilhação, da violência e da podridão a que foi submetido durante 30 anos de prisão. Transformou-se nisso que está aí. Não se pode dizer, a não ser por comiseração, que seja exatamente humano.
A TV se entusiasma com esse tipo de coisa. São cada vez mais frequentes e diversificados os programas que exploram aberrações como se fossem atrações de circo.
Xuxa diverte seu público induzindo um garoto sem pernas a dar cambalhotas no centro do palco. Faustão arranca gargalhadas da platéia exibindo ao país um deficiente físico batizado de Latininho. Gugu Liberato... bem, todo o seu programa é uma aberração.
Luz Vermelha é o macaco da vez no zoológico televisivo. Numa emissora, foi "convidado" a imitar Roberto Carlos e Nelson Ned; em outra, virou tema do disque 0900; em todas elas, foi tratado como um bicho exótico e divertido, um ser folclórico para consumo popular, como o chupa-cabra.
Vista em conjunto, essa sucessão de atrocidades exibidas com naturalidade crescente indica a generalização do padrão dos programas policiais, que agora contaminam o resto da programação.
A humilhação dos miseráveis sempre foi uma prerrogativa dos programas que se destinam prioritariamente aos próprios miseráveis. Silvio Santos, por exemplo, esfrega cédulas de dinheiro na cara das empregadas domésticas há décadas.
Agora, na medida em que a TV por assinatura vai constituindo seus nichos de audiência e oferece ao público que pode pagar programas com alguma qualidade, a opção pela barbárie dos canais abertos tende a aumentar. A deterioração da vida brasileira é espantosa e a estupidez da TV é um dos seus termômetros.
Mas não sejamos tão pessimistas. Invertido, o raciocínio ficaria assim: a TV está cada vez mais popular e os pobres já podem até comer frango.



Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.